Qual é a afirmação mais bairrista das freguesias de Lisboa em tempo de festas de Santo António? A sua marcha. E este requisito, o Parque das Nações já cumpre. É a mais recente freguesia lisboeta e na noite de 12 para 13 de junho vai desfilar na Avenida da Liberdade para dar um “abraço fraterno” à cidade que adotou como sua, mesmo antes de o ser no papel.

“O sentimento de pertença a Lisboa já era muito forte e agora queremos integrar-nos no coração da cidade” diz ao Observador José Moreno, presidente da Junta de Freguesia, para justificar a pertença do Parque das Nações nas festas da cidade. Fomos assistir ao segundo ensaio da marcha e apesar de estreante, a marcha do Parque das Nações não é amadora. Nas suas fileiras conta com o experiente diretor António Escolástico e com um dos mais antigos e emblemáticos padrinhos das marchas de Lisboa: Gonçalo da Câmara Pereira.

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A sorte não esteve ao lado do Parque das Nações no sorteio que permite anualmente a duas marchas mais recentes juntarem-se aos bairros tradicionais na Avenida, mas isso não demoveu José Moreno e a associação de moradores de levarem a mais recente freguesia de Lisboa à Avenida. Após um pedido à EGEAC – empresa municipal que organiza as festas da cidade – para participar de qualquer forma na noite de apoteose da capital, o Parque das Nações conseguiu um lugar no alinhamento oficial e vai participar como convidada.

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Mesmo assim, e porque a tradição bairrista assim determina, há entre as restantes marchas quem tenha desconfiado da participação do Parque das Nações. O diretor, homem destas lides, diz ao Observador que há “expectativa” por parte dos outros bairros e até “alguns mexericos” para evitar esta participação. “Era o que faltava não podermos participar nas festas da nossa cidade. Nós dissemos logo, nem que seja atrás do carro do lixo, vamos desfilar na avenida”, conta Escolástico durante o ensaio. Este ano ainda não é para pontuar, mas para a marcha já é a sério.

Na noite de quinta-feira vão ser mais de 50 marchantes com fardas a rigor, coreografia intrincada, 16 arcos pela avenida abaixo e música a condizer. O conceito saiu todo da cabeça de António Escolástico e não foi preciso ir muito longe para se inspirar para construir o enredo da marcha. “Inspirei-me no que o Parque das Nações como Expo 98 representou para o mundo”, justifica, trauteando a música da marcha.

“Parque das Nações, Parque das Nações

Nas tuas bandeiras há mil histórias seculares

Parque das Nações, Parque das Nações

É além fronteiras a cidadela dos mares” excerto da letra da música que a marcha vai apresentar

Na noite em que visitamos a marcha, Escolástico atua como um realizador que trabalha com efeitos especiais. Mesmo ainda sem arcos, nem fatos, fica de fora a imaginar a coreografia  – dirigida e ensaiada pelo coreografo e bailarino Nuno Gomes -, ainda incompleta pela falta dos elementos que desenhou e vai incentivando os marchantes. Dá a letra da música ao Observador, mas lembra: “Só faço isto porque não estamos a concurso, se estivéssemos, era segredo”.

Esta não é a primeira vez do diretor marcha com bairros estreantes, visto que foi o primeiro a levar os bairros do Beato e da Baixa à Avenida. Talvez por estas experiências anteriores, não há nervosismo e o clima é de festa. “Não tenho receio nenhum da Avenida porque eles quando marcharem não têm o júri em cima deles, não ficam em lugar nenhum. É só festa por festa”. A maior dificuldade? “Arranjar marchantes”, responde o diretor.

Marchantes novos, um espírito bairrista antigo

Com Luísa e Francisco, António já pode contar. O jovem casal de advogados vive no Parque das Nações desde Setembro do ano passado e a ideia de participar foi de Luísa, mas é Francisco quem fala sobre esta “nova experiência”. “É uma freguesia nova, é bom que se insira na tradição da cidade, é um bairro novo, com pessoas novas. Vai ser sempre difícil comparar-se com Alfama, mas é bom que se insira de alguma forma e que participe” aponta Francisco, que enaltece o esforço da organização em “disciplinar esta gente toda”.

Para reforçar a marcha do Parque das Nações, vieram voluntários dos Olivais, mais acostumados a marchar e que este ano não conseguiram participar através do sorteio e que por isso, vêm dar uma ajuda aos vizinhos. “Eu não conhecia ninguém, julgo que algumas pessoas serão nossas vizinhas” arrisca Francisco.

Mas afinal há uma pessoa que até já conhecia. Tanto Francisco como Luísa são naturais de Évora, terra também do padrinho da marcha, Gonçalo da Câmara Pereira. A conversa entre os três foi instantânea e o fadista vai dizendo à parte “isto é uma animação”. Já correu quase todas as marchas como padrinho – “Eu sou dos mais antigos, se o António Calvário e o Artur Garcia não forem na marcha, sou o padrinho mais antigo” – e mesmo assim considera que é importante trazer pessoas novas à Avenida. “A cultura mais popular é o que mexe mais connosco, esta cultura de marchas está a dar uma união a esta freguesia como nunca teve. Vem juntar bairros que não têm nada a ver uns com os outros e faz esta amálgama e união entre as pessoas”, aponta o fadista.

Mesmo com marcha estreante, Vasco Alves, membro direção da Associação de Moradores e Comerciantes do Parque das Nações (AMCPN) que impulsiona esta iniciativa, garante que “há um espírito bairrista muito forte” nesta zona da cidade. É aliás este espírito que, a acrescer ao apoio da junta, está a financiar esta marcha. Sem financiamento da câmara por ter ficado fora do sorteio, o dinheiro para a marcha vem sobretudo da junta de freguesia, dos moradores e dos comerciantes – nomeadamente do comércio local, já que o dirigente da AMCPN esclarece que apesar do Parque das Nações ter no seu perímetro a sede de grandes empresas nacionais e internacionais, houve poucas contribuições para esta causa.

Para além disto, não há na freguesia um espaço coberto que seja suficientemente grande para ensaiar, o que leva os marchantes a utilizar o campo da escola Infante D. Henrique para ensaiar. Um problema menor para a marcha, mas que preocupa José Moreno. Para além de ter de lidar diariamente com os problemas normais do funcionamento de uma junta recente, adiciona a isto as dificuldades acrescidas pela transferência de competências da câmara. “Tudo isto tem representado um sem número de dificuldades que é preciso ir vencendo diariamente para nos aproximarmos de uma posição institucional regular” afirma o presidente da junta, único candidato independente eleito para gerir uma freguesia em todo o concelho de Lisboa.