Se não houver surpresas, o PP deverá votar sozinho, esta terça-feira, duas emendas parlamentares – propostas pelo partido – que dão proteção legal ao rei Juan Carlos e a outros membros da família real. O PSOE vai abster-se, justificando esta abstenção com a rejeição da forma como os populares vão aprovar “uma norma de tanta profundidade”, escrevem o El Mundo e o El País

O Governo optou por introduzir emendas ao projeto de lei de racionalização do setor público, reformando a Lei Orgânica do Poder Judicial. Apesar de a norma não ter relação direta com Juan Carlos e a sua imunidade legal, esta foi a maneira mais rápida que o Executivo encontrou para proteger o monarca depois da sua abdicação, escrevia o El País na véspera da proclamação do rei Felipe VI.

O Governo rejeitou a via normal do projeto de lei e da proposta de lei porque isso atrasaria o processo vários meses e poderia reabrir o debate e a polémica sobre a monarquia, segundo o El País. Para além disso, o PP impôs a sua maioria para limitar ao máximo o prazo dos debates, refere o mesmo artigo do jornal espanhol.

Esta reforma à Lei Orgânica do Poder Judicial implica que caso Juan Carlos, as rainhas Letizia e Sofia e a princesa das Astúrias, Leonor, sejam constituídos arguidos, o processo tenha que ser remetido para o Supremo Tribunal, como já ocorre com deputados, senadores e membros do Governo.

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Dentro do PSOE, o assunto é incómodo. Os três principais candidatos a secretários-gerais do partido, Eduardo Madina, Pedro Sánchez e Juan Antonio Pérez-Tapias, levantaram objeções às emendas do PP. Segundo explicou a porta-voz dos socialistas, Soraya Rodríguez, a fórmula escolhida deveria ter sido a do projeto de lei.

Os outros grupos da oposição também mostraram descontentamento com o método escolhido porque acreditam que é um assunto tão importante que não pode ser abordado com “uma reforma expresso”, escreve o El Mundo.

O líder da Esquerda Unida, Gaspar Llamazares, anunciou que vai recorrer da apresentação destas emendas por parte do PP e considera que ao não se cumprirem os prazos foram violados os regulamentos do Congresso. Llamazares defende que não se cumpriram as 48 horas regulamentares entre a proposição da lei e a votação na Comissão de Justiça.

Para o UPyD, este aforamento abre a porta a uma distinção entre a justiça para os cidadãos, que consideram “cara e lenta” e outra mais “cómoda” para os aforados, escreve o El Mundo. O PNV diz que está a ser concedido um privilégio a pessoas que não exercem um cargo. Tanto os nacionalistas bascos como os catalães lamentam o método usado pelo Governo para aforar os membros da família real.

Mas o PP tem maioria absoluta e conseguirá a aprovação das leis, reunindo mais dois votos dos deputados do UPN e do Foro Asturias.

Está previsto que no final da próxima semana o rei Juan Carlos, as rainhas Sofia e Letizia e a princesa Leonor já estejam protegidos pela lei de aforamento para causas penais e civis, mesmo sem desempenharem nenhuma função ou cargo constitucional, escreve o El Mundo.

Esta lei de aforamento vai ter consequências nas tentativas de reclamar a paternidade feitas por Albert Solá Jiménez, que desde 2012 tenta provar em tribunal que é filho primogénito de Juan Carlos. Todas as tentativas foram rejeitadas com o argumento da inviolabilidade do rei. Quando a nova lei entrar em vigor, a causa terá de ser remitida ao Supremo Tribunal.

Ainda esta terça-feira, a segunda secção criminal do Tribunal Nacional deverá deliberar sobre o recurso apresentado pelo partido Soberania contra a decisão do juiz Santiago Pedraz de não admitir o seguimento de uma queixa contra Juan Carlos no âmbito do 23-F, escreve o El Mundo.

Esse partido formalizou, em abril, uma queixa feita com base no livro da jornalista Pilar Urbano, “La Gran Desmemoria”, que questiona o papel de Juan Carlos no golpe militar. Nessa altura, pedia-se a presença do rei em tribunal como testemunha, mas depois da abdicação de 2 de junho, o advogado que apresentou a queixa dirigiu também a acusação contra Juan Carlos, com o argumento de que o monarca autorizou o antigo general Armada a fazer um golpe suave e a formar um Governo em que estariam integradas personalidades que participaram no 23-F.

Em fevereiro de 2014, o jornalista espanhol Jordi Évole apresentou um documentário de investigação, mas ficcionado – “Operación Palace” – em que Évole entrevistava muitas das figuras políticas da altura do golpe militar do 23-F. O falso documentário utilizava testemunhos e imagens de arquivo e defendia que o golpe tinha sido uma encenação política montada pelo Governo da época, com o consentimento dos partidos da oposição e do rei Juan Carlos I, para substituir o Governo de Adolfo Suárez por outro de unidade nacional. O golpe seria o momento legitimador perante a opinião pública, sustentava o documentário.

Visto por mais de 5 milhões de pessoas, “Operación Palace” gerou grande polémica nas redes sociais e nos meios de comunicação. Jordi Évole disse que o seu objetivo era o de suscitar a dúvida entre os espectadores e deixar a mensagem de que há muita coisa por investigar sobre o 23-F.