O apoio que o PSD tem dado ao projeto de lei que vai permitir pela primeira vez a maternidade de substituição em Portugal – um processo vulgarmente conhecido como barrigas de aluguer – está a causar desconforto no seio do partido. Não só na bancada, onde vai haver vários votos contra e onde vários deputados reclamam uma reunião da bancada só para discutir este assunto, mas também nas estruturas partidárias.

A distrital social-democrata de Lisboa aprovou na semana passada uma moção que condena a viabilização deste diploma e pede mais tempo para debater o tema no partido. Na Assembleia, há posições contra no grupo parlamentar do PSD que são “inalteráveis”, o que pode comprometer a votação final e inviabilizar a aprovação da lei. O projeto de lei que vai tornar legal que uma mulher engravide do filho de outra – desde que esta não tenha útero ou que tenha um problema neste órgão que inviabilize a gravidez – conta com os contributos e acordo do PS e PSD e apesar de ainda não ter sido aprovado na Comissão de Saúde (a votação foi adiada possivelmente para a semana), nem todos os deputados do PSD concordam com o seu conteúdo.

Carina Oliveira, deputada do PSD, considera que qualquer legislação nesta matéria tem a sua “repulsa” e que a sua posição é “inalterável, independentemente dos floreados dos projetos de lei”. “O grupo parlamentar dará liberdade de voto, como é costume nestas matérias e para mim esta é uma questão moral e ética”, afirmou ao Observador, mantendo a posição que expressou na sua declaração de voto quando este tema foi apresentado há dois anos no Parlamento.

“Também não são desprendidas as questões da alienação da mulher, que se vê reduzida a um útero que pode dar à utilização de terceiros, mesmo que sem envolvimento monetário. E estas não são apenas questões ‘técnicas’ sobre as quais se façam ajustes legislativos com a ligeireza e a ausência de debate público”, defendeu Carina Oliveira na declaração de voto, em 2012.

Também o deputado social-democrata Paulo Simões Ribeiro diz que o projeto não muda a sua posição desfavorável já que a sua posição “não admite qualquer exceção” para a maternidade de substituição. “É uma questão de ética  e valorização da maternidade”, sublinha o deputado. Em janeiro de 2012, foram nove os deputados do PSD que apresentaram declarações de voto a dizer ser contra as barrigas de aluguer.

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“A maternidade não pode jamais ser de substituição. A formação do vínculo mãe-bebé é essencial para o desenvolvimento da criança a nível metabólico, epigenético e psicológico. […] A gravidez não pode ser um período neutro e impessoal, pois ela tem efeito no futuro da criança, não podendo o útero ser considerado uma simples incubadora”, sustentou Paulo Simões Ribeiro na sua declaração de voto.

Carla Rodrigues, deputada do PSD que integra o grupo de trabalho da Procriação Medicamente Assistida criado a partir da Comissão de Saúde, crê que o projeto “não terá problemas de consenso”, embora admita ao Observador que o tema “não é consensual no PSD, nem em nenhum outro partido”.

“O projeto foi amplamente discutido e houve um esforço para que fosse o mais razoável possível. Está totalmente blindado e apenas permite a maternidade de substituição em casos muito excepcionais”, refere a deputada. O grupo parlamentar do PSD terá ainda antes da votação na especialidade uma reunião para debater o tema internamente, já que não deverá haver disciplina de voto nesta matéria.

Recuperar a agenda dos valores do PSD e as dúvidas nos outros partidos

António Pinheiro Torres, antigo deputado do PSD e vice-presidente da Federação Portuguesa pela Vida, foi quem apresentou na Assembleia Distrital do partido em Lisboa a moção aprovada pela maioria dos presentes a condenar o envolvimento dos deputados sociais-democratas neste tema e diz que não estar sozinho na rejeição deste projeto. “O PSD nunca apresentou isto ao seu eleitorado no programa de Governo e este tema não foi abordado na campanha. Há um pequeno grupo de deputados do PSD, com grande influência na direção da bancada parlamentar, que se identifica com esta agenda, sem consideração pela militância do partido”, afirma o antigo deputado.

Outra contestação de Pinheiro Torres é não haver disciplina de voto nesta matéria. “Os deputados são eleitos em lista fechada, o que eu até discordo, mas assim comprometem-se com o programa do governo e é isso que devem votar”, queixando-se ainda do PSD “não ter posição na agenda dos costumes”. Quanto a esta votação, assegura que se o voto fosse secreto, a maternidade de substituição “seria rejeitada” e antecipa que a votação será “renhida”.

Quem já anunciou que vai votar contra é o CDS. O deputado centrista Ribeiro e Castro disse ao observador que este projeto foi um “processo sigiloso” e que houve “manipulação dos processo legislativo”. “Um processo legislativo não é uma coisa clandestina e não pode ser tratado numa despensa”, sublinhando que o projeto deveria ser novamente apresentado já que excedeu os prazos legais.

Carla Rodrigues defende que os deputados do grupo de trabalho “não quiseram fazer a lei de forma apressada” e por isso, este diploma esteve em discussão durante dois anos, com audições abertas a vários especialistas. “Este projeto resulta de um esforço e colaboração de todos os grupos políticos, incluindo o CDS que é contra esta iniciativa”, assegura.

Mesmo no próprio PS, há “discordâncias”. Maria Almeida Santos, deputada socialista que acompanhou este processo, admite que este tema “não é fácil”, embora confie que o trabalho de informação com a audição de peritos tenha vindo “apaziguar algumas pessoas”. “A decisão será da nossa consciência”, conclui a deputada.

Isabel Santos, deputada socialista que fez uma declaração de voto em Janeiro de 2012 mostrando reservas em relação à maternidade de substituição, não quis adiantar o seu sentido de voto nesta matéria, mas lamenta em declarações ao Observador que a discussão “não tenha sido mais profunda” na sociedade civil.