As épocas geológicas definem a idade da terra, exatamente do mesmo modo como a infância, a adolescência ou a velhice definem a idade aproximada — e as características — de um ser humano. A principal premissa do livro A Sexta Extinção é que hoje vivemos numa nova era geológica, o Antropoceno, que se define pela alteração das condições de toda a biosfera pelos seres humanos. Para justificar a alteração radical do planeta, a autora Elizabeth Kolbert junta dois eventos aparentemente independentes entre si: as consequências da introdução de espécies invasoras em climas impreparados; e as alterações climáticas provocadas pela era industrial, que estão a ter impactos relevantes (e catastróficos)  nos oceanos, nas florestas, nos pólos e em toda a biodiversidade.

E é assim que Kolbert junta os pontos de um cenário trágico, em que a ação do homem é sentida ao ritmo avassalador em que as espécies estão a desaparecer. Por vezes é catastrofista, como quando espalha a ideia de que os ratos irão dominar o planeta (p.142), mas a maioria das vezes mantém o rigor científico, até porque o cenário que se apresenta é verdadeiramente dantesco — de que é bom exemplo a situação dos corais (p. 180). O livro mantém um registo de educação científica, conseguindo manter momentos de bom humor: Ao justificar porque não foram os anfíbios a herdar o planeta (p. 123), Kolbert explica que a “razão pela qual este livro está a ser escrito por uma bípede cabeluda, em vez de uma escamosa, tem mais a ver com a sorte dos dinossauros do que qualquer virtude particular dos mamíferos.”

Não por acaso, o termo “antropoceno” é da autoria de Paul Crutzen, um dos vencedores do Nobel concedido ao estudo dos efeitos da destruição da camada de ozono. Há vários exemplos das consequências das alterações climáticas no trabalho dos cientistas que são apresentados no livro, mas este vai mais longe, abordado também questões como a extinção das espécies (um termo desconhecido até ao século XVIII) e a discussão sobre a seleção natural darwinista.

Elizabeth Kolbert é uma jornalista norte-americana que esteve quinze anos no New York Times e está desde 1999 na New Yorker, tendo aproveitado algumas das viagens que fez para reunir material para este livro. E a obra é um caleidoscópio de esforços de conservação de habitats e espécies um pouco por todo o mundo. Começa no Panamá, onde uma estranha epidemia está a ceifar os sapos dourados, terminando em San Diego onde se tenta manter viva uma espécie de corvos havaianos que já só existe em cativeiro — pelo meio passa-se por uma pequena ilha na islândia que foi o último reduto do arau-gigante, pelo mar Tirreno onde se estuda a acidificação dos oceanos, por Albany onde os morcegos estão quase extintos e por Leipzig, onde se estuda a extinção do homem neardenthal às mãos do homo sapiens.

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E é nesses relatos que fica óbvio o paradoxo assumido deste livro: nele mostra-se a ação criminosa do homem, através do esforço de conservação envidado pelo próprio homem. O que quer dizer que o livro se ocupa em apresentar um cenário catastrofista, assumindo que muitas das alterações efectuadas no Antropoceno são já inevitáveis, mas ao mesmo tempo dá margem para alguma esperança graças ao esforço de investigação e conservação feito pela comunidade científica. E a esperança mais relevante talvez venha mesmo de um conceito brilhante que é apresentado ao de leve no livro (p. 335): a eventual existência no ser humano de um gene fáustico, um gene criativo e artístico que tenha permitido a evolução do homem de neanderthal para o humano moderno. Talvez essa criatividade permita minorar o cenário catastrofista da sexta extinção.

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A Sexta Extinção

Elizabeth Kolbert

Vogais, € 19,78