Incluir nas deduções de IRS as despesas que os avós têm na educação e saúde dos netos, reduzir a taxa de imposto sobre veículos cobrada àqueles que tenham comprado carros com mais de cinco lugares e que, nessa lógica, tenham três ou mais filhos a cargo, ou alargar a licença de maternidade em mais um ano (com remuneração total) são algumas das medidas de incentivo à natalidade propostas pela comissão independente nomeada por Pedro Passos Coelho para combater a tendência decrescente deste indicador nos últimos anos. O objetivo é acabar com os obstáculos que impedem os casais de ter tantos filhos quanto gostariam mas as medidas sugeridas, no entanto, não contabilizam os custos e a sua implicação no Orçamento do Estado.

O documento intitulado ‘Por um Portugal amigo das crianças, das famílias e da natalidade (2015-2035)’, que foi apresentado aos jornalistas esta terça-feira pelo coordenador da comissão Joaquim Azevedo, defende que “o Estado Social, que tanto apregoamos na Europa e que significou um investimento de muitas gerações na melhoria da qualidade de vida para todos os cidadãos, torna­‐se totalmente insustentável se continuar a descer o número de nascimentos, ou seja, se tudo continuar como até aqui, se não mudarmos de rumo”.

E para isso propõe um conjunto de medidas, com aplicação prevista para um período de 20 anos (de 2015 a 2035), com o objetivo de, “mais do que criar incentivos, remover os obstáculos à natalidade com que as famílias se deparam”.

Com o objetivo de haver “mais justiça fiscal”, a Comissão sugere ao Governo medidas de benefícios fiscais para pais mas também para avós. É o caso da proposta que prevê a possibilidade de tornar dedutíveis em IRS as despesas suportadas pelos avós na educação e saúde dos netos “atendendo que em determinados agregados familiares são os avós que suportam” este tipo de despesas. O grupo de trabalho propõe ainda a redução de 1,5% da taxa de IRS para o primeiro filho e 2% para os restantes, “relativo a cada escalão e a atingir de forma progressiva no prazo de 5 anos”. Esta medida, segundo o relatório, aplica-se a todos os escalões de rendimentos, mesmo nos casos em que “a medida não funcione à partida pelo facto de resultar imposto zero após aplicação das regras do IRS” – nesses casos as taxas de 1,5% e de 2% funcionarão como “crédito de imposto”.

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Sob a bandeira de que “cada filho conta”, a comissão independente sugere também uma alteração na forma de apuramento das deduções de IRS para que o montante a ser deduzir em cada agregado familiar passe a ser definido à cabeça, ou seja, contabilizando cada filho.

Outra das medidas fiscais de incentivo à natalidade passa pela redução da taxa de imposto sobre veículos a agregados familiares com três ou mais dependentes. Ou seja, carros com lotação superior a cinco lugares, se forem adquiridos por pessoas com três ou mais filhos a cargo, podem ter uma redução no imposto. Na mesma lógica, a comissão sugere ainda que haja um acordo com as companhias de seguros para a redução do custo dos seguros obrigatórios para estas famílias numerosas.

O IMI (Imposto municipal sobre Imóveis) também não escapa ao escrutínio do grupo de trabalho, que sugere que cada município possa definir as suas políticas fiscais em sede de IMI, podendo diminuir a taxa de imposto em função do número de filhos a cargo em cada agregado familiar.

Mais tempo de licença de parentalidade

Se o Governo atender às propostas da Comissão, a licença de maternidade poderá ser alargada em mais um ano para além do período atualmente previsto. Para isso acontecer, a colaboradora que foi mãe é substituída no cargo durante esse ano adicional por um desempregado, inscrito no Instituto de Emprego e a receber subsídio, o que permite à mãe receber a remuneração na totalidade. Segundo esta proposta, 50% da remuneração é paga pelo Estado, que deixa de pagar o subsídio de desemprego ao trabalhador que a substitui, e os outros 50% são pagos pela empresa. A empresa pagaria assim ao funcionário substituto os 50% que já pagava à colaboradora, pelo que não pressupõe acréscimo de custos para os patrões.

A Comissão prevê ainda o incentivo do trabalho a tempo parcial para as mães e pais até que os filhos façam seis anos. Para isso propõe uma redução de duas a quatro horas diárias do horário de trabalho do casal, sendo que a redução salarial não deveria ultrapassar os 50% da redução já prevista, assim como a partilha flexível da licença parental. Nesta lógica, o pai poderia trabalhar, por exemplo, 20 horas por semana e a mãe outras 20, em vez de um deles estar fora de casa 40 horas por semana.

Outra das medidas propostas com vista a “mudar a cultura de ‘penalização’ destas mulheres e homens pelas entidades empregadoras” é a isenção da Taxa Social Única (TSU) para empresas que contratem mulheres grávidas e trabalhadores (homens ou mulheres) com filhos até aos 3 anos de idade, à semelhança do que já acontece com a contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração.

O relatório sugere ainda medidas que seriam da responsabilidade das câmaras municipais, que passam por exemplo pela criação de tarifários familiares da água, resíduos e saneamento que tenham em conta o consumo per capita das famílias, para que o número de filhos não penalize as famílias numerosas na hora de pagar as despesas da casa. E a criação de um passe-estudante e um passe-família para transportes públicos, para impedir que o recurso aos transportes públicos fique mais caro do que o uso do automóvel particular. Esta medida, no entanto, parece ser uma reversão das medidas tomadas pelo Governo neste sentido, que já restringiu os passes sociais apenas a quem dê provas de rendimentos baixos.

Consulte aqui a lista completa de medidas propostas pela Comissão.

As medidas, no entanto, não incluem avaliações do seu impacto financeiro. “Essa não era a nossa tarefa, embora tenhamos ponderado o tipo de medidas a propor e tenhamos apreciado mais concretamente a relação custo/benefício para aquilatar algumas delas e para eleger algumas e deixar cair outras”, escreve o grupo de trabalho no relatório final. “Os governos e a administração pública é que detêm os dados necessários para tal, que nem sequer são do domínio público, na maioria dos casos em que será preciso estimar os impactos económicos e financeiros, a começar pelos fiscais”, lê-se.

Quatro anos de queda na população

Portugal é o país que tem o Índice Sintético de Fecundidade (número de nascimentos por mulher durante o seu período fértil) mais baixo dos 28 estado-membros da União Europeia. Em Portugal cada mulher tem em média 1,21 filhos, enquanto em França e na Irlanda, por exemplo, a média é de 2,01. O índice está em queda desde o início da década de 80 estando atualmente, segundo se lê no relatório da comissão de trabalho, numa situação de “não retorno”.

“Enquanto nasciam cerca de 100 mil crianças há quatro anos, agora estamos já abaixo das 80 mil por ano ano”, diz o relatório, acrescentando que a situação atual “impede a renovação das gerações e conduz a perdas drásticas de população, num horizonte de poucas décadas”.

De acordo com o relatório hoje apresentado, Portugal tem registado nos últimos quatro anos uma tendência preocupante de diminuição da população, que até aí tinha vindo a crescer — entre 1991 e 2001 a população portuguesa aumentou em 495,5 milhares de pessoas e, de 2001 a 2011, aumentou em 199,7 mil. Desde 2010, no entanto, a tendência tem sido decrescente, já que, em 2010 havia perto de 10 600 000 habitantes e em 2013 a marca ficou perto dos 10 400 000. Segundo o INE, a população portuguesa pode chegar aos 7 ou 8 milhões de habitantes em 2060 se a tendência se mantiver.

Há no entanto uma diferença entre o número de filhos que os portugueses têm de facto e o número de filhos que desejavam ter, que chega aos 2,31. “Se os portugueses manifestam o desejo de ter o dobro dos filhos que estão a ter, porque esperamos mais tempo por ter uma política pública de promoção da natalidade, que se traduza sobretudo pela remoção dos obstáculos à natalidade já identificados pelas famílias?”, questiona o grupo de trabalho.

A criação desta comissão já tinha sido anunciada em fevereiro pelo primeiro-ministro, durante o Congresso do PSD. Joaquim Azevedo, da Universidade Católica Portuguesa, foi o escolhido para coordenar a equipa que deveria preparar um plano de ação no prazo de três meses. O objetivo era que o plano servisse de base para a discussão das medidas tanto em Portugal como na União Europeia.

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