“Rir é o melhor remédio” diz o ditado popular, mas talvez não seja bem assim. Rir e fazer rir os outros não livrou humoristas como Conan O’Brien, David Letterman, Ellen DeGeneres ou o agora falecido Robin Williams de entrarem em depressão profunda. Para o psicólogo Carlos Céu e Silva é a sensibilidade dos artistas e, em especial, dos humoristas que os faz perceber tão bem a realidade que se sentem desenquadrados dela e num conflito interior constante.

Muitos se interrogam como é que uma pessoa tão rigorosa e comprometida com o trabalho, que grangeava uma carreira bem sucedida como ator e humorista, e que além disso mantinha boas relações pessoais, pode pôr fim à vida. “Todo o ser humano tem na sua estrutura uma componente depressiva”, diz, sem alarme, Carlos Céu e Silva ao Observador, acrescentando que nem todas as pessoas desenvolvem quadros depressivos severos. No caso de Robin Williams, como noutros equivalentes, a entrega dedicada ao humor, à arte ou ao trabalho, é “uma forma de escoar os pensamentos negativos”.

“A obra surge como necessidade de afirmação abafando as questões existenciais”, diz o presidente da Olhar – Associação pela Prevenção e Apoio à Saúde Mental. E quando uma pessoa bem sucedida e muito requisitada passa a ter menos solicitações um de dois cenários pode surgir: ou a pessoa se sente saciada da vida que teve e consegue viver o resto dos seus dias com normalidade, ou sente uma grande desilusão e cai num estado de depressivo se já tiver propensão para isso. Por outro lado, o medo que uma pessoa tem de não conseguir estar sempre à altura do nível a que habituou quem a rodeia também pode desencadear esta situação.

Desespero, melancolia e angústia

“A depressão manifesta-se quando o desespero, a melancolia ou a angústia entram e se instalam na vida mental de uma pessoa, deturpando a leitura que a pessoa faz da sociedade. A pessoa acredita nessa falsa representação da vida, enclausurando-se na dor, sem acreditar que consegue sair”, conta Carlos Céu e Silva. Mas consegue. O psicólogo garante que pode demorar mais ou menos tempo, mas todas as pessoas conseguem sair da depressão, ainda que poucas consigam curá-la totalmente.

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“A constante deficiência ou ausência de comunicação emocional ou afetiva entre pais (ou outros cuidadores) e filhos vai instalando um sentimento de abandono”, diz Carlos Céu e Silva, que aponta este fator como um dos mais relevantes para o desenvolvimento de quadros depressivos no futuro. O sentimento permanente de desenquadramento familiar, social ou político, a dificuldade em se autoafirmar e a sensação de que se é diferente dos outros, a incapacidade de encontrar um sentido na vida, são outros fatores. Mas também o amor excessivo por si próprio, porque “só temos realmente valor quando os outros reconhecem em nós esse valor” e na ausência deste reconhecimento chega a depressão.

“As pessoas que não vem na vida nada que tenha significado para eles vivem numa insatisfação permanente”, refere o psicólogo. “O resultado é que se isolam ou têm dificuldades de relacionamento ou, pelo contrário, são pessoas ativas, bons alunos, trabalhadores bem sucedidos ou mantém uma comunicação sedutora (clara e coerente).” Mais uma vez, a aparente felicidade ou realização pessoal camufla os sentimento depressivos.

Chorar também é preciso

Nem a felicidade é sinal de bem-estar psicológico, nem a tristeza é sinal de depressão. Carlos Céu e Silva afirma mesmo que a tristeza é um acontecimento normal e importante da vida. “Se não for patológica, é bom que passemos por ela.” Porém, acusa a sociedade, em particular a população portuguesa, de fugir da tristeza ao evitar os momentos de reflexão e introspeção. Quando os pais, com boas intenções, evitam que os filhos fiquem tristes ou sejam contrariados, com a velha deixa de que “têm tempo para sofrer mais tarde”, estão na verdade a criar crianças que terão dificuldade em fazer escolhas ou em lidar com situações de conflito. “Mais tarde, o adolescente ou se fecha ou agride o mundo, dificultando a integração na idade adulta.”

Por isso o psicólogo também defende a psicologia preventiva – as consultas com um psicólogo devem ser um acontecimento normal e não apenas quando se precisa de terapia. A entrada na escola primária, o início da adolescência, a ida para a universidade ou o primeiro emprego, são alguns dos momentos-chave. De resto sempre que a pessoa sinta que há alguma coisa no dia a dia que não consegue controlar também deve procurar um psicólogo. “É preciso estar atento aos pequenos sinais – falta de apetite, insónias, angústia, palpitações, falta de interesse no trabalho, não conseguir desfrutar das férias, desalento com a rotina no trabalho, …”

O ideal é acompanhar as situações tão precocemente quanto possível, porque uma determinada situação, como o luto ou uma desilusão, pode desencadear uma depressão que se encontrava latente, ainda que não seja a causa principal. Uma depressão profunda e prolongada pode levar a dependências, como álcool ou drogas, a estados psicóticos em que a pessoa acreditar ver ou ouvir coisas que não são reais ou mesmo ao suicídio.

São 350 milhões as pessoas que sofrem de depressão no mundo, mas apenas 4% dos doentes com depressão cometem suicídio, nota a Scientific American. Porém, a maior das pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão. As noites mal dormidas são um dos fatores que aumentam o risco de suicídio segundo um estudo publicado esta quarta-feira pela revista JAMA Psychiatry. O psicólogo refere ainda a solidão, as dependências, as ambições não concretizadas ou os sentimentos de culpa.

Carlos Céu e Silva prepara-se para publicar em outubro próximo um livro que coordena sobre a depressão, o segundo volume da coleção Olhares da editora Esfera Poética. Em janeiro, lançará um livro dedicado aos estudos de casos de jovens aparentemente felizes e bem sucedidos que cometeram suicídio na Ponte 25 de Abril.