Aparecer de surpresa à porta de casa e enviar emails e mensagens escritas com elogios constantes: “Fomos feitos um para o outro, o nosso destino está traçado nas estrelas”. Podem ser frases simpáticas para a maioria das pessoas, mas assumem outros contornos quando são o início de uma perseguição constante. Este género de comportamento tem um nome: stalking. E grande parte dos portugueses já foi vítima de perseguição. De acordo com um estudo recente, 19,5% dos portugueses já foi vítima de stalking pelo menos uma vez, e destes 20% chegou mesmo a ser agredido.

O comportamento não é nem raro nem novo e já afetou cerca de dois milhões de portugueses. De acordo com um estudo feito por investigadores da Universidade do Minho, a maior percentagem de vítimas é do sexo feminino. Cerca de 25% das mulheres admitem já terem sofrido assédio persistente e 13,3% dos homens também já foi objeto de stalking, segundo o estudo feito em 2008 e apresentado em Abril pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).

A investigadora Célia Ferreira conta que o stalker pode ter várias razões que o impelem à intimidação. Na maioria dos casos, as razões são “amorosas”, explica, como alguém que não aceita o fim de uma relação e tenta a todo o custo recuperá-la. Depois, vem a vingança e a inveja. “Pode ser alguém que deseja muito ter a vida daquela pessoa ou que tem uma obsessão, quer seja no sentido positivo ou negativo”.

Alguns dos casos que afetaram mulheres, estudados durante a investigação, começaram com um envio “exagerado” de flores, conta a investigadora. E exemplifica: “Uma das vítimas entrevistadas recebeu 30 ramos de flores num dia”. Depois, veio a invasão de propriedade, as ameaças e a violência física.

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O objetivo do stalker é o de inspirar medo na vítima. Mas a sua atitude nem sempre está ligada a uma patologia, explica Célia Ferreira. “Há pessoas que não aprenderam a lidar com a rejeição em crianças e isso repercute-se em adultos. A aceitação da negação pode nunca chegar para algumas pessoas”, refere. O maior número de casos encontra-se entre os 16 e os 29 anos.

Nos Estados Unidos, o ‘stalking’ é apontado como o responsável por danos sociais e físicos a um milhão de mulheres e a 400 mil homens, todos os anos. Em Inglaterra, os registos das autoridades policiais referem, anualmente, cerca de 600 mil homens e 250 mil mulheres, vítimas de crimes como a invasão de privacidade, ofensa à reputação e danos à integridade psicológica e emocional. Quando os tribunais são chamados pelas vítimas a intervir, as decisões judiciais passam, na maioria das vezes, por proibir a aproximação física entre o alvo e o agressor.

Atualmente, na Europa, há leis anti-stalking em nove países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Irlanda, Itália, Malta e Reino Unido. Mas, em Portugal, não há uma legislação específica para estes casos, o que “complica a proteção das vítimas”, lamenta Célia Ferreira. O que ficará agora coberto quando a nova legislação for aprovada.

Nos casos em que existe condenação, os crimes invocados passam por invasão da vida privada ou ameaça agravada.

Além do caso de António Manuel Ribeiro, também a apresentadora Catarina Furtado foi vítima de assédio persistente. O stalker que a perseguia ia todos os dias vê-la ao teatro. Na altura, não fez nada para o deter. Só quando foi ameaçada de rapto é que recorreu às autoridades. O humorista Nuno Markl também contou que foi ameaçado, através da internet, por alguém que descrevia os seus passos e os de Ana Galvão, a sua mulher.

O “stalking em números

  • Cerca de 20% dos portugueses (19,5%) disse já ter sido vítimas de stalking;
  • 25% das mulheres entrevistadas para o estudo da APAV foi alvo daquele comportamento;
  • Entre os homens, a percentagem é de 13,3%;
  • A maior prevalência de casos dá-se entre os 16 e os 29 anos;
  • O assédio dura entre 3 a 6 meses;
  • Apenas 40,9% das vítimas procurou apoio. Mais de metade são mulheres.
  • 68% dos stalkers foi identificado como sendo do sexo masculino.
  • 40,2% declarou ter sido perseguida por um conhecido/colega/familiar ou vizinho;
  • 31,6% disse que o stalker provinha de uma relação de intimidade atual ou passada. 50,7% das situações tinha ocorrido após a relação terminar;

Mas o stalking pode tomar outros contornos. Além da perseguição, há quem tente contacto físico ou faça (e concretize) ameaças:

  • Houve agressões em 21,2% dos casos;
  • Houve tentativa de contacto indesejado com 79,2% dos inquiridos;
  • Em 58,5% dos casos, o stalker aparecia em locais habitualmente frequentados pela vítima;
  • A perseguição manifestou-se em 44,5% dos casos;
  • Mais de 80% das vítimas referiu que os comportamentos ocorriam diária ou semanalmente. Mas há casos mais graves: perseguições com a duração de mais de um mês, foram relatadas em 66,8% dos casos. Em 31,9% dos casos, as situações de stalking duraram entre um a seis meses. 15,3% dos casos duraram mais de dois anos.
  • O stalking tem ainda efeitos psicológicos nas vítimas: 43,2% referiu ter ficado pouco assustada, 31,8% não ficou assustada, e 25% revelou ter ficado muito assustada.