– Quem és tu Leonor?

– Tu és uma menina com uma missão, tu és o rosto da realidade de muitas, tantas outras crianças que tal como tu se viram obrigadas a crescer depressa demais, à luz de uma história que ninguém gosta de contar.

A história de Leonor, cinco anos, não levou um ponto final com a sua morte, anunciada esta quarta-feira. A história de Leonor, uma menina que, no último ano, lutou sempre com um sorriso contra o cancro que a consumia, é seguida no Facebook por mais de 100 mil pessoas. E é a história de uma das 350 crianças a quem, a cada ano, é diagnosticado um cancro. Segundo dados do Instituto Português de Oncologia do Porto, a taxa de sobrevivência ronda os 75%.

Sobrevivência. Terá sido esta a palavra que assaltou Vanessa Afonso naquele dia 13 de junho de 2013 nas urgências do Hospital de Cascais. A filha de quatro anos sofria dores de barriga insuportáveis. Depois dos exames, o diagnóstico. A pequena Leonor sofria de um tumor bilateral de Wilms, o termo técnico para a palavra proibida: um cancro. Um dos tumores, com 16 centímetros, pressionava o rim contra o umbigo da criança. Nos pulmões, metástases. Na cara de Nonô uma lição: um sorriso. Ela adormeceu ainda antes de lhe ser administrado o soro para o primeiro tratamento.

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Os colegas de trabalho de Vanessa perceberam que vinha aí uma batalha dura. Que a mãe de Nonô dificilmente conseguiria dispensar o seu tempo ao trabalho. Tinha a filha para salvar. Um dia depois do diagnóstico, foram eles que criaram uma página no Facebook. “Os aprendizes da Nono“. A identificação de uma conta bancária para transferências e um pequeno texto de apresentação:

“A Leonor tem 4 anos.
Adora Princesas e vive num mundo cor de rosa. A sua cor preferida.
É absolutamente feliz e tem o sorriso mais vibrante que conhecemos.
No dia 14 de Junho de 2013 foi-lhe diagnosticado um Tumor de Willmsbi-lateral.
Como para todos os Filhos de um Deus maior, este é um desafio que a LEONOR PRINCESA GUERREIRA pela Fé, JÁ VENCEU !”

Seguiram-se as fotos. E os amigos. E as ajudas. Vanessa, a mãe da criança, contou numa entrevista à Visão que muitas vezes chorou do outro lado do ecrã. Ao mesmo tempo que outras mães choravam ao lê-la. Fez sempre questão de responder a todas. Mesmo quando as mensagens internas atingiam as centenas. Foi aqui que foi partilhando o percurso de Leonor. A perda de cabelo. Os tratamentos. A esperança. E os sorrisos.

“Aceita e Sorri” foi sempre o mote de uma batalha que a família da pequena Leonor travou ao longo do último ano e meio. Em dezembro, o primeiro concerto solidário por Nonô, de forma a angariar fundos para o seu tratamento na Alemanha. Contou com a presença de Áurea, de quem era fã. Em maio, “Aceita e Sorri” foi o nome do livro publicado sobre a sua história. Mãe e filha fizeram um vídeo para a Lux para o lançamento da publicação. Vanessa escolheu a parte que mais gostava:

– Quem és tu Leonor?

– Tu és uma menina com uma missão, tu és o rosto da realidade de muitas, tantas outras crianças que tal como tu se viram obrigadas a crescer depressa de mais, à luz de uma história que ninguém gosta de contar.

Leonor sorriu, sempre. E respondeu “Muito bem”.

O tratamento na Alemanha

Segundo o Portal Português de Oncologia Pediátrica, o tumor de Wilms é um dos oito tipos de cancro mais comuns nas crianças. Os sintomas passam por dores de barrigas, náuseas ou vómitos. As causas desta doença são ainda desconhecidas. Por enquanto opta-se por uma explicação genética, anomalia genética.

Leonor sentiu essas dores. No hospital anunciaram-lhe o tratamento. Quimioterapia no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa. Só depois podia optar por um tratamento na Alemanha – possível graças a uma história semelhante à sua, a de Safira, que fez um tratamento numa clínica alemã à base de células dendríticas. Na altura os pais da criança quase perderam a tutela da filha, por recusarem que ela fosse sujeita a mais tratamentos de quimioterapia.

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Antes de prosseguir com mais tratamentos de quimioterapia e depois de análise com resultados pouco favoráveis, Vanessa ainda foi a uma consulta à clínica privada de Duderstadt. Era agosto de 2013. O médico Thomas Nesselhut recomendou que a menina concluísse primeiro o tratamento em Portugal. Assim foi. Em dezembro Nonô era sujeita ao terceiro ciclo de quimioterapia. E a mãe publicava uma fotografia dela no hospital no Facebook (9 de dezembro):

“E cá estamos nós mais uma vez… Após um interregno de cerca de 3 semanas damos inicio ao 3º ciclo. Mais uma vez ela não questionou o porquê. Mais uma vez, ACEITOU e SORRIU”

A pequena Leonor foi sujeita mais tratamentos de quimioterapia. Depois radioterapia. Sempre em Portugal. Seguiram-se os tratamentos na Alemanha, onde esteve durante o mês de agosto deste ano. Não resistiu.

A notícia foi dada pela mãe através da página do Facebook. E depressa se criou um movimento solidário. Vários utilizadores mudaram a cor do seu perfil para rosa, a cor preferida de Nonô. E foi criado um encontro para esta sexta-feira no Jardim da Estrela, em Lisboa, em homenagem à criança. Todos devem levar uma peça cor-de-rosa.

Segundo o Portal de Oncologia Pediátrica, todos os anos surgem 350 novos casos de cancro em crianças, uma doença que está a aumentar cerca de um por cento por ano. Cerca de 75% das crianças conseguem sobreviver. Promovido pela Fundação Rui Osório de Castro, o portal reúne informações sobre o tema.