O sistema informático CITIUS, usado por operadores judiciais como advogados e funcionários dos tribunais, já tinha sido considerado “obsoleto” em 2011. O anterior governo chegou a contratar uma empresa para atualizá-lo e torná-lo mais seguro, mas um relatório técnico concluiu haver “problemas estruturais insolúveis”. Mais. Que a arquitetura do sistema não tinha sido “desenhada para a realidade atual”, mas para uma de onze anos atrás. Por imposição da troika, o atual Governo anunciou uma nova plataforma, mais segura, de acesso diferenciado para cada operador judicial. Mas esse projeto está atrasado e ainda não passou de um conjunto de reuniões.

Até lá, os tribunais vão manter o CITIUS, com problemas ainda mais graves desde o primeiro dia da entrada em vigor do novo mapa judiciário. Depois de passar a semana a dizer que o sistema iria funcionar dentro de algumas horas, o Governo acabou por admitir sexta-feira que os problemas técnicos só estariam sanados na segunda quinzena de setembro. Até lá, diz o governo através da Direção Geral Geral da Administração da Justiça, os atos processuais devem ser feitos pelas vias tradicionais – leia-se papel.

“Se a situação não for resolvida vai ser um caos. Neste momento os advogados estão a fazer chegar os atos processuais por fax ou correio. O papel vai acumular e não há pessoal para dar seguimento”, avisa o advogado Rui Maurício, autor do blogue “Estado de Citius” e de dois manuais sobre esta plataforma informática.

Durante a última semana, o advogado tem recebido telefonemas e e-mails de vários colegas a reportar problemas com o CITIUS. Rui Maurício diz que, só dele, tem 180 processos. Os que serão transferidos de tribunais que fecharam as portas ou de secções que foram extintas não aparecem no sistema. “Não consigo sequer interagir com eles”, diz. Os restantes, “ora têm disponíveis documentos ora não têm”. “Dá ideia que a migração dos processos não correu bem“, explica.

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O advogado Rui Maurício

Das queixas que lhe chegaram por telefone ou pela página do Facebook do blogue, há relatos de advogados que conseguem fazer uma peça processual, mas no momento de a submeter o sistema aponta um erro. O advogado teme que se percam processos e que “haja advogados a aproveitarem-se disso”, disse.

O advogado recorda o que aconteceu em 2004, “com a criação dos Juízos de Execução de Lisboa e do Porto, “que culminou com mais de 120 000 processos por autuar e distribuir. Alguns desses processos estão ainda hoje pendentes”, diz.

Os problemas do CITIUS não são novos. “O sistema não centraliza a informação. Por exemplo, se for testemunha em mais que um processo e eu fizer uma pesquisa pelo seu nome, só me aparece uma vez. E a cada vez que é testemunha, é necessário introduzir de novo a informação. Porque ele não reconhece”, explica. Também as palavras acentuadas podem fazer com que os documentos dispersem. “Se um funcionário puser acento e outro não, nada fica junto”, avisa.

Problemas já tinham sido detetados em 2011, quando o então Governo decidiu contratar uma empresa para atualizar o sistema dos tribunais, criado em 2000 por um grupo de oficiais de justiça interessado em programação. “Em vez de se ter criado um sistema novo, foram-se fazendo atualizações em cima de uma casa sem fundações”, critica Rui Maurício.

A auditoria feita pela empresa em causa, a Critical Software, revelou a existência de componentes “suportadas por tecnologias obsoletas”. Posteriormente, um relatório feito por técnicos do já extinto Instituto de Tecnologias de Informação na Justiça (ITIJ) referia com “convicção” que não seria possível “a evolução do sistema “sem se refazer todo o projeto relativo ao sistema de informação dos tribunais, incluindo a necessária mudança de arquitetura e de filosofia de funcionamento“.

No plano da reforma da justiça, o Governo incluiu uma nova Plataforma da Justiça – onde incluiria o sistema informático dos tribunais e de todas as forças e serviços de segurança. Rui Maurício ainda integrou o grupo de trabalho – resultante de uma portaria publicada em 2011, por imposição da troika. “Mas quando o responsável pela equipa percebeu que não havia condições para continuar, afastou-se”, conta.

Na última sexta-feira, depois de uma reunião de emergência, a DGAJ emitiu um comunicado a dar indicações aos operadores judiciários para os próximos dias. Considerando necessária a tramitação de um total de 3,2 milhões de processos, 80 milhões de documentos e 120 mil milhões de atos processuais, o Ministério da Justiça recomenda que advogados e funcionários recorram às vias alternativas, ou seja ao fax e à carta registada. Exceção para os atos ainda não migrados. Nestes, os profissionais deverão aguardar.

A DGAJ vai emitir uma declaração sobre a inoperacionalidade do sistema para que os advogados possam, depois, justificar todos os atos processuais feitos fora de prazo.

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