Niquetamida. Um estimulante respiratório e cardíaco. Foi isso que o tramou e as análises não o escondiam: Marin Cilic tomara uma substância proibida. A Federação Internacional de Ténis (FIT) não gostou, teve mão pesada e ilustrou-o na suspensão de nove meses que aplicou ao croata. Aos 24 anos, o nome de Cilic ficava associado a castigo. E a reputação também.
Doping, a maldição de qualquer desportista. Cilic juntava-se ao clube. “Quero deixar claro que nunca na minha vida tomei deliberadamente substâncias proibidas e oponho-me a quem o faça para melhor o desempenho desportivo”, disse, na altura, o tenista croata.
Palavra de bandido ou um reflexo da verdade? O Tribunal Arbitral do Desporto terá concordado com a segunda hipótese, quando reduziu a sanção para quatro meses — por considerar que o croata ingeriu a substância inadvertidamente, ao comer barras de glucose que, alegadamente, comprara numa farmácia em França.
Atenuado ou não, o castigo aplicou-se. E, do nada, o homem que em janeiro de 2010 chegara a ser o 9.º melhor tenista do mundo, segundo o ranking ATP (Associação de Tenistas Profissionais), estava proibido de pisar um court e de pegar na raquete. “Irritei-me com a maneira como o processo correu”, desabafou esta segunda-feira, ao recordar a altura em que voltou ao ativo, em outubro de 2013. “Limitei-me a aceitá-lo [o castigo]. Apaguei-o da memória. Usei apenas os aspetos positivos, que me tornaram mais forte”, garantiu ao New York Times.
Há um ano o US Open não contou com Marin Cilic. Aí, em 2013, o torneio do Grand Slam que fecha a temporada do circuito mundial de ténis, em Nova Iorque, foi conquistado pelo espanhol Rafael Nadal. Nenhuma novidade — e até segunda-feira continuou a não aparecer nada de novo. Afinal, os troféus de 34 dos últimos 38 Grand Slams dividiram-se entre as mãos de Nadal, do suíço Roger Federer, do sérvio Novak Djokovic e do escocês Andy Murray. Sim, desde 2005 que pelo menos um destes quatro tenistas esteve sempre na final do Open da Austrália, de Roland Garros, de Wimbledon ou do US Open.
#Cilic is the champion! The No. 14 seed wins his first Slam title, d. #Nishikori 6-3, 6-3, 6-3. #usopen pic.twitter.com/zzEra5dBhV
— US Open Tennis (@usopen) September 8, 2014
Ontem, segunda-feira, as pancadas fortes com a direita ou os mísseis disparados no serviço (fez 17 ases) consagraram o croata. Sim, Marin Cilic, homem condenado pelo doping, o 14.º cabeça de série à partida para o torneio, conquistou o US Open.
Fosse ele ou Kei Nishikori, japonês que estava do outro lado do court, o vencedor faria sempre história — desde 1997 que a final de um Grand Slam não era discutida entre dois estreantes nestas andanças. “Estávamos ambos bastante nervosos, especialmente no primeiro set”, confessou Cilic, referindo-se ao arranque de um jogo que, em menos de duas horas, venceu pelos parciais de 6-3, 6-3 e 6-3. “Parece surreal agora poder ser apelidado de campeão de um Grand Slam”, admitiu, estupefacto, já com o troféu e um cheque de 2,3 milhões de euros nas mãos.
With #Cilic's #usopen title, he jumps from No. 16 to No. 9 in the rankings., matching career high achieved in 2010. pic.twitter.com/9kEZnCDSTS
— US Open Tennis (@usopen) September 8, 2014
A conquista já lhe garantiu o 9.º lugar do ranking, igualando o seu melhor registo de sempre, o tal onde estava antes de o doping o puxar para as catacumbas da classificação. Pelo caminho eliminou Roger Federer, que bate toda e qualquer pancada com a precisão de um relógio suíço, e conseguiu tornar-se no primeiro tenista fora do top-10 do ranking a conquistar o US Open — após Pete Sampras, em 2002, também o ter conseguido.
Marin Cilic agarrou-se à sua conquista a uma segunda-feira — uma coincidência croata. Em 2001, no mesmo dia da semana, Goran Ivanisevic conquistara o torneio de Wimbledon, na até aqui única vitória de um tenista daquele país balcânico num Grand Slam. O tal que, hoje, é treinador de Cilic, um gigante com 1.98 metros de altura. “A coisa mais importante que me ensinou foi a retirar prazer do meu ténis. E foi aqui que joguei o melhor ténis da minha vida”, revelou ao Washington Post.
Em janeiro de 2005 achou-se que Marat Safin acabara de abrir uma porta. O russo conquistou o Open da Austrália, mas nada feito. Seguiu-se um reinado, tripartido entre Djokovic, Federer e Nadal, só com Murray a conseguir espreitar o poder de vez em quando. E agora, como será no pós-Marin Cilic? “Para todos os jogadores que trabalham no duro isto é um grande sinal, uma grande esperança”, assegurou, antes de vaticinar que se “derem tudo, as coisas vão acabar por acontecer”. E, neste caso, fala mesmo quem sabe.