Em pequena, Marta Carvalho fazia quadros para os pais, desenhos que ainda hoje estão pendurados nas paredes da casa de quem a viu nascer e crescer. Os trabalhos manuais eram uma constante — chegou a pintar bonecas de gesso e a fazer cerâmica –, pelo que o design enquanto área de trabalho surgiu de forma espontânea (é licenciada pelo IADE e tem um mestrado em teoria da cultura visual). O mesmo não se pode dizer do facto de ter trocado terras lusas por São Paulo, onde vive há dois anos e onde criou um negócio próprio.

Por partes. Marta Carvalho, 29 anos, mudou-se para o Brasil por motivos profissionais: “Na altura trabalhava numa agência em Lisboa, era uma filial da empresa em São Paulo. Como eles tinham um sistema de intercâmbio de designers, achei que era uma boa ideia tentar vir para cá”, conta ao Observador. Ficou um ano na empresa e de lá saiu por vontade própria para tentar a sua sorte enquanto freelancer. Do ato dito ousado resultou a TOKA, que tem por base garrafas vazias transformadas em peças artísticas.

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O projeto nasceu em Abril e, de lá para cá, tem ganho terreno (mas ainda há muito por fazer, garante). Em causa estão garrafas de vidro personalizadas, coloridas e cobertas por padrões diversos da autoria da designer e ilustradora portuguesa. A “culpa” é da Amarguinha que Marta recebeu pelo Natal de 2013. Depois de consumida a bebida, a garrafa vazia ficou em cima da bancada à espera de uma nova vida — “Ficou meses na cozinha, até ao dia em que passei numa loja e comprei a Posca [caneta que desenha sobre várias superfícies]“, explica. Começou a desenhar por instinto na superfície de vidro e gostou do resultado final. Publicada a fotografia de uma primeira peça na rede social Facebook, os clientes começaram a surgir.

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No início eram os amigos que lhe davam as garrafas. Mais tarde, Marta começou a criar um stock de material com ajuda de cafés e restaurantes locais que cediam (e cedem) recipientes inutilizados: “Neste momento, o meu atelier parece um centro de reciclagem de vidro”, conta divertida. Todas as garrafas são aproveitadas (é uma questão de imaginação, afirma), exceto as de cerveja — nada contra a bebida, mas sim em desfavor da “forma comum” da vasilha.

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O ato de passar de uma simples garrafa para uma peça única leva tempo, podendo chegar a um dia de trabalho. Mas qual o processo de criação? “Cada pessoa entra em contacto comigo, escolhe uma peça [existem três tamanhos disponíveis] e passa-me o briefing — qual a cor, mensagem, se quer ou não representações de pessoas…” Feita a descrição do cliente, a garrafa é colorida com um spray e só então começam os desenhos. É tudo uma combinação de formas e de padrões, até porque Marta desenha naturalmente, sem recurso a esboços ou ideias preconcebidas [exceto pedidos específicos]. A peça é, depois, deixada a secar e o último toque passa por colocar um verniz.

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Não são raras as vezes em que Marta recebe pedidos temáticos. Já chegou a conceber peças referentes aos Beatles, Star Wars e até à figura heróica do Batman. Mas são sobretudo dedicatórias familiares que invadem a caixa de correio eletrónico (todos os itens são por encomenda; os preços variam entre 20 e 67 euros). “As pessoas pedem-me para colocar frases ou mensagens de amor e, no processo, acabam por me contar a história de vida” — é uma das partes de que mais gosta. Mas a arte da portuguesa não se limita a este tipo de criações. A ideia é expandir o projeto a outros objetos, como à parede de uma casa, mesas, cadeiras, tudo o que implique uma segunda vida para peças cuja funcionalidade original já não faça sentido.

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Marta sabe que quer ver a TOKA crescer, mas não coloca metas a curto ou a longo prazo. Vai vivendo o dia-a-dia e abrindo terreno como pode, até porque o negócio já lhe ocupa a tempo inteiro. Participar em eventos temáticos, fazer exposições e arranjar parcerias são alguns dos objetivos ainda a definir. Até lá vai desenhando sem regras e acumulando saudades de casa. “A saudade está lá, vais-te habituando, há dias mais difíceis. Mas o projeto está a deixar-me muito feliz, pelo que não penso em voltar”. Para Portugal, entenda-se.