A exposição do fotojornalista português João Pina sobre as vítimas e os carrascos das ditaduras que dominaram a América Latina nas décadas de 1970 e 1980 será inaugurada esta segunda-feira em São Paulo, no Brasil.

“A sombra de Condor” – que resulta de nove anos de trabalho sobre a denominada Operação Condor, aliança político-militar entre as ditaduras latino-americanas de seis países, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai – vai ficar no Paço das Artes, museu da Universidade de São Paulo, até 7 de dezembro.

A cerimónia de inauguração da exposição, que já mereceu a atenção da imprensa brasileira, inclui também o lançamento do livro “Condor” (em Portugal editado pela Tinta da China) e uma mesa redonda, com a presença do ex-preso político brasileiro Maurice Politi, às 19h00 locais (23h00 em Lisboa).

“O resultado do livro e da exposição superam em muito aquilo que eu imaginava que fosse possível”, disse à Lusa, a partir de São Paulo, João Pina, recordando que, há nove anos, pensava que podia “fazer o trabalho em seis meses”.

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O projeto foi registando “um amadurecimento muito grande”, mas o mais “interessante”, explica o fotojornalista, foi poder observar “as marcas” que a repressão “deixa nas pessoas”.

O projeto exigiu de João Pina uma presença “mais continuada”, em que manteve o contacto com as pessoas e pôde observar como a vida delas foi evoluindo. “No meu trabalho mais fotojornalístico, menos documental, (…), entro na vida das pessoas durante pouco tempo e de forma muito intensa e depois vou à minha vida”, distingue.

“É muito interessante observar este tipo de processos na vida das pessoas e na vida dos países”, realça, frisando que, há nove anos, “ninguém julgava os perpetradores de crimes contra a humanidade”, mas agora estão em curso algumas mudanças.

No Brasil, “os militares finalmente, ao fim de 50 anos, admitiram que afinal houve tortura e houve abusos, o que é absolutamente histórico”, destaca, dando outros exemplos: no Chile, a presidente Michelle Bachelet já anunciou a intenção de acabar com as leis de impunidade face aos crimes da ditadura; e na Argentina, há mais de 500 militares presos e condenados.

“É muito diferente do que quando comecei. [O assunto] era uma coisa completamente enterrada e havia muito pouca discussão pública. No Brasil continua a haver muito pouca discussão pública, mas são processos (…) que vão acontecendo e parece que não estão completamente esquecidos”, assinala.

De São Paulo, a exposição “A sombra de Condor” seguirá para o Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, devendo ser mostrada noutros locais do Brasil. Paraguai e Uruguai já confirmaram o interesse em mostrar o trabalho, que João Pina espera levar também a Argentina, Bolívia e Chile.

A exposição é composta por 113 imagens, na grande maioria com mais de um metro, o que lhe dá “uma certa envergadura” (no Paço das Artes ocupa uma área de 600 metros quadrados) e a torna “muito cara”, reconhece o autor.

“Estou a fazer as coisas devagarinho, porque o produtor de tudo isto é sempre o mesmo: eu”, explica o fotojornalista, que recolheu mais de 20 mil euros, de pessoas de 20 países diferentes, através da angariação de fundos via internet (“crowdfunding”) para financiar o projeto.

João Pina espera poder vir a apresentar a exposição “A sombra de Condor” também em Portugal, mas ainda não encontrou interessados.