Tinha apenas três anos quando o Totobola nasceu. Ana Cristina lembra-se de crescer e de ver a mãe apostar no jogo da Santa Casa. O que nunca pensou foi estar atrás de um balcão a vendê-lo. No 53º aniversário do Totobola é ali, naquela casa de apostas do Largo do Calhariz, em Lisboa, que trabalha. E, já depois de almoço, ainda só recebeu uma aposta. O jogo social que motivou um programa na RTP transmitido ao longo de 35 anos já “não é como antigamente”. Foi ultrapassado primeiro pelo Euromilhões e agora pelas raspadinhas.

“Hoje só tive um cliente a comprar e nem me lembro se era cliente habitual. É um jogo que sai pouco”, diz ao Observador. Depois de saber que o jogo nasceu há 53 anos, a 24 de setembro de 1961, Ana Cristina ainda sugere o jogo a um cliente interessado em apostar. “Nem pensar. Na semana passada fiz um jogo e não ganhei nada. Tem que se perceber muito bem de futebol e eu agora não consigo ver as equipas estrangeiras”, diz do outro lado do balcão.

O jogo que chegou a ser “o ritual de muitas famílias portuguesas” que se empenhavam “em apostar no previsível desfecho dos jogos do campeonato nacional ou das competições europeias e mundiais”, como descreve a Santa Casa em comunicado, parece ter sido ultrapassado. “Com o aparecimento do Euromilhões, perdeu-se no Totoloto e no Totobola”. Agora, diz a funcionária da casa de jogos que também vende tabaco e artigos de papelarias, a realidade até é outra: as raspadinhas.

“As pessoas querem dinheiro rápido na mão. Têm dificuldades. Noutro dia dei um prémio de 10 euros e a senhora disse que, assim, já podia ir ao talho. Estas pessoas investem um euro na esperança de poderem ir às compras”.

A poucos metros, mas já na Rua do Loreto, Luís Silva, chama-lhe “ecossistema”. “São as pessoas que precisam mais que apostam e gastam mais dinheiro em jogos, são ajudas pela Santa Casa e ajudam a Santa Casa. Pelo meio, nós recebemos uma comissão”, diz o gerente da loja que também vende jornais e revistas.

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Sem saber do aniversário do Totobola, Luís Silva, no ramo do negócio há mais de dez anos, também reconhece uma queda neste jogo. “Temos alguns jogadores fixos. Normalmente têm mais de 60 anos e jogam à sexta e ao sábado, antes de encerrarem as apostas”. Há ainda crianças motivadas pelas apostas desportivas e pelo futebol que pedem aos pais para jogar. “Mas o Euromilhões veio tirar muitos apostadores”.

Mesmo ao nível dos prémios, o comerciante não se recorda de dar grandes valores no Totobola. Até se lembra de episódios menos felizes, como a senhora que apostou 200 contos (mil euros) e que nada ganhou. Ou o homem que convenceu os amigos de que era possível desdobrar as apostas e que, através de cálculo e investimento, conseguiriam ganhar. Levaram zero.

Mas a história que reza sobre este jogo social é mais positiva. Diz a Santa Casa que o Totobola nasceu “com base no desígnio de permitir que a reabilitação dos deficientes físicos a nível nacional fosse financiada pelas apostas mútuas, tornando possível criar, em simultâneo, uma nova fonte de receita para as modalidades desportivas”.

E quem não se lembra de trautear o “Totobola 1×2”, o genérico do programa televisivo que passou 35 anos na RTP?

http://www.youtube.com/watch?v=q0kYWcl58Io

 

Algumas curiosidades sobre o Totobola:

– O Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão, inaugurado em 2 de julho 1966 foi construído,  organizado e mantido com as receitas do Totobola.

– No primeiro concurso, o vencedor foi premiado com 224 contos (cerca de 1100 euros).

– Desde de 1961, data do primeiro concurso, o Totobola registou um total de vendas brutas superior a 776 milhões de euros.

– A 20 de fevereiro de 2011 foi atribuído o maior prémio de sempre do Totobola, no valor de 759 mil euros.

– Só em 2013 foram atribuídos mais de 96 mil prémios no Totobola, correspondendo a um valor superior a 6 milhões de euros de prémios!

– Mesmo com menos jogadores, em 2013 o Totobola distribuiu aos seus beneficiários quase 2 milhões de euros.