Lodigiani já era pequeno. Tanto passe, golo e finta merecia mais. A Lazio achava-o. Totti também. Mas não seria ali que continuaria a aventura. Afinal, quem, nas paredes do quarto, tinha colado posters de Bruno Conti e Giuseppe Giannini, lendas da AS Roma, não conseguia vestir de azul celeste. Portanto, os 12 anos de Francesco disseram que não. Ali não. A jogar em algum lado, seria nos giallorossi, alcunha dos adeptos da Roma. E até implorou à mãe que fizesse por isso.

Após pegar num ‘não’ para retribuir o convite dos laziale, batismo dos apoiantes da Lazio. Totti fez um pedido à progenitora. Sabia que ela partilhava amizade com Gildo Giannini, pai do craque da equipa e então responsável pelos escalões de formação da AS Roma. “A Fiorela pediu-me que o levasse e tive de discutir como um louco com o diretor geral do Lodigiani”, contou Gildo, há uns anos, ao Il Messaggero, como recordou o The Guardian. Resultou. E, em 1998, lá chegava Francesco Totti ao lado grená (cor do clube) da cidade.

Não mais saiu de lá. Quando se estreou a 23 de Março de 1993, na adolescência dos seus 16 anos, ainda estávamos no tempo em que as vitórias só valiam dois pontos em Itália. Em setembro de 1994, no estádio onde hoje, em todos os jogos, alguém ergue uma tarja onde se lê “No Totti, No Party”, o italiano marcou o seu primeiro golo. O Foggia teve a honra de o encaixar.

E o último vindo do ‘Il Capitano’, do ‘Bimbo d’Oro’, do ‘Il Re de Roma’, do homem que se reparte em alcunhas, apareceu na terça-feira, em Manchester. A vítima foi o City, clube inglês, do país onde nunca Totti conseguira marcar um golo. E fê-lo com estilo. Aos 23 minutos, já com as meias descaídas, cansadas sobre as pernas, correu como um miúdo para chegar à bola que lhe pedia que sprintasse. Aos 38 anos e três dias de idade, a velocidade já não é consigo. Mas chegou para os centrais ingleses não o apanharem.

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E para ter tempo se lembrar de, à saída de Joe Hart, guarda-redes que se atirou contra si, mandar o pé levantar a bola com um toque e fazê-la passar por cima do inglês. Foi bonito, com classe e eficaz. Como grande parte dos 300 golos que já marcou nas 770 partidas que já realizou. Este, como uns quantos outros, também pegou na caneta para fazer história — Totti tornou-se assim o mais velho de sempre a marcar um golo na Liga dos Campeões, ultrapassando os 37 anos e 289 dias com que Ryan Giggs, em setembro de 2011, rematou uma bola que acabou em golo contra o Benfica, no Estádio da Luz.

Um golo vem sempre a calhar. Mas este, para Totti, veio mais. Horas antes do encontro, a conta oficial do Manchester City resolveu perguntar: “Estamos ansiosos para acolher a AS Roma e o jogador tão lendário como Totti. Ele nunca marcou em Inglaterra, certo?” Tinha razão. Francesco nunca pontapeara uma bola para a baliza naqueles relvados. “Foi uma provocação, e claro que o capitão, mesmo com 38 anos, respondeu”, disse Guglielmo Cammino, sócio e adeptos da AS Roma, que “enlouqueceu” quando, na bancada, viu Totti a “marcar um golo com tanta classe”.

Guglielmo tem 26 dias e desde que nasceu é sócio dos giollorossi. Ano sim, ano sim tem lugar reservado na Curva Sud, a bancada onde se concentram os tiffosi romanistas, atrás de uma das balizas do Estádio Olímpico de Roma. Foi a ele que o Observador perguntou, na ressaca de um dia histórico, o que significa Francesco Totti para quem apoia os giallorossi. “Ainda hoje fico com pele de galinha quando falo dele. Totti é a identidade de qualquer adepto da Roma”, tenta explicar, quase atrapalhado em reunir palavras que consigam descrever um jogador que diz ser “uma lenda”.

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Assim que gritou golo no Etihad, estádio do City, o italiano teve “mais orgulho em Totti do que no resultado que a equipa” acabara de conseguir. “Ele tornou verdadeiros os sonhos de qualquer criança da Roma. Quando se é novo e se apoia o clube, qualquer um quer vir a ser como ele: um exemplo de coerência, de respeito e uma lenda que fez a carreira sempre com a mesma camisola”, sublinha, lembrando os 23 anos que Totti já leva no clube.

E foi somando-os enquanto trepava degraus. Aos 21 tornou-se capitão da Roma, antes de, em 2001, enlouquecer uma cidade quando na última jornada da Série A, quando liderou a equipa que venceu o campeonato. Ou quando, em janeiro de 2011, ultrapassou em golos o sueco Gunnar Nordahl e passou a correr só atrás de Silvio Piola, o melhor marcador de sempre do campeonato italiano. Para já, Totti vai com 235 golos, ainda longe dos 275 que estão no topo. O capitão já avisou — só diz adeus, baixas as meias e descalça as botas quando o conseguir. Afinal, ele próprio disse, após o empate (1-1) de terça-feira com o City, que “não se sente com 38 anos”. E quem fala assim não é velho. “É simplesmente mágico”, rematou Guglielmo.

Não será o único. No mesmo dia, em Paris, havia um pequenote espanhol, que aprendeu a fazer do passe o melhor açaime para orientar a bola, a também escrever história. Foi Xavi, o capitão do Barça, que frente ao Paris Saint-Germain conseguiu aparecer no 143.º jogo da carreira na Liga dos Campeões. Outro recorde, o de mais encontros feitos nesta competição. Ao pisar o relvado do Parque dos Príncipes, o médio ultrapassou os 142 encontros de Raúl, outro espanhol e, aos 34 anos, lidera uma lista onde o homem que o vê mais de perto também fala castelhano — é Iker Casillas, guarda-redes do Real Madrid, que vai com 141 jogos.