É a metamorfose da investigação. Inovação que se transforma em negócio para intervir num campo com concorrência acesa, a medicina. A biotecnologia é considerada um dos setores de futuro e o mercado português não lhe é indiferente. Biosurfit, Kinematix e Magnomics são as startups portuguesas do setor que estão esta terça-feira em destaque na BBC, para explicarem que a inovação requer, sobretudo, tempo.

João Fonseca, que já foi investigador académico na área da biofísica, demorou oito anos a concretizar a ideia que nasceu enquanto estava numa consulta médica com o filho de três anos. Esperar dias para receber o resultado das análises que a criança fez ao sangue fez-lhe ver que poderia aplicar o conhecimento que detinha para responder a uma necessidade de mercado, explicou ao Observador. O que na altura lhe pareceu um problema, depressa se tornou numa ideia para lançar um negócio com uma tecnologia única no mundo. Nasceu a Biosurfit.

A startup foi lançada em 2006, mas foram precisos oito anos e 12 milhões de euros para que João Fonseca conseguisse colocar no mercado a plataforma tecnológica que transformaria a espera de dias pelos resultados das análises clínicas em alguns minutos, a Spinit.

“Embora seja algo simples de utilizar, o produto envolve uma grande complexidade em termos de desenvolvimento e processos de produção. Fomos vencendo as diferentes barreiras até conseguirmos ter as coisas a funcionar”, explicou João Fonseca ao Observador.

Os testes são descartáveis. Os técnicos de análises clínicas colhem uma gota de sangue do utente e colocam-na num disco que lembra um DVD. O resultado surge até dez minutos depois. O objetivo da Biosurfit é que estes dispositivos portáteis sejam capazes de efetuar 30 testes diferentes utilizando uma tecnologia económica.

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Até agora, a Biosurfit só conseguiu a aprovação do regulador do mercado para dois testes – o hemograma, em junho de 2014 e o da proteína c-reativa em 2013-, mas espera obter mais duas no próximo ano, o painel de inflamação e o teste da hemoglobina glicada.

O tempo para conseguir lançar os produtos demorou mais do que o esperado, mas João Fonseca avança que não teve a ver com burocracia junto do regulador de mercado, a Infarmed, mas com a complexidade do desenvolvimento do produto. “Temos cerca de 20 patentes para conseguirmos desenvolver a tecnologia. São diferentes peças de um puzzle para realizarmos de forma simples uma análise que é bastante exigente”, contou ao Observador.

Apesar dos desafios, João Fonseca revela que tem conseguido fazer coisas em Portugal “com um décimo do investimento” que seria preciso noutros países. O empreendedor revela que lançar uma startup biotecnológica não é como lançar um software, “que em seis meses pode estar no mercado e a gerar receitas”.

A Biosurfit recebeu investimento de quatro sociedades de capital de risco, a Portugal Ventures, Caixa Capital, PME Investimento e a Beta Capital, mas anda à procura de investimento internacional. Os testes estão à venda no mercado holandês e, no próximo ano, a empresa quer estar presente nos países nórdicos e na Suíça. O objetivo de João Fonseca é que, em 2016, os testes da Biosurfit cheguem aos restantes mercados. Portugal, diz, será sempre “um mercado residual”.

Investimento, certificação e retorno a longo prazo

A biotecnologia é uma das apostas do futuro, mas quem quiser lançar um negócio na área tem de vencer vários desafios. A mentalidade académica é um deles. “A maioria destes empreendedores vem de um contexto académico. Eles têm de parar de pensar como cientistas e começar a pensar como homens de negócios“, revelou à BBC Carlos Faro, professor universitário e fundador da incubadora para startups biotecnológicas, Biocant.

Nuno Arantes-Oliveira, presidente da P-Bio, Associação Portuguesa de BioIndústrias acrescentou outro: o facto de o ciclo de desenvolvimento do negócio ser longo, porque tem um cariz científico. Além disso, as startups biotecnológicas requerem investimentos elevados e o retorno só acontece a longo prazo.

A certificação e validação dos produtos também demoram a chegar. “A regulação é uma faca de dois gumes para os investidores”, disse Arantes-Oliveira à BBC. Apesar de demorar algum tempo a obter a aprovação dos produtos, esta garante-lhes qualidade e inovação. O facto de serem empresas globais também dificulta o processo, porque as regras podem variar consoante os países em que atuam.