Ser cega desde nascença nunca a atirou ao tapete — ou para os mais conhecedores da matéria, ao ‘dojo’ — e o seu ar franzino engana quem pensa estar perante uma pessoa frágil.

“Normalmente tento abstrair-me de que sou cega, ou seja, eu sei que tenho este problema, mas tento o mais possível ignorar que o tenho, para que os meus dias sejam o mais normal possível”, diz, em entrevista à agência Lusa.

Hoje assinala-se o Dia Mundial da Visão e, segundo os Censos 2011, cerca de 9% da população portuguesa tem problemas de visão, entre os 892.860 que têm muita dificuldade em ver e os 27.659 que são cegos.

Cátia tem 21 anos, vive em Salvaterra de Magos, distrito de Santarém, com a avó e mais dois irmãos e acalenta agora o desejo de conseguir um trabalho para poder juntar o dinheiro necessário a entrar na universidade para estudar psicologia criminal.

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“Penso sempre que não existem limitações, ou seja, que tudo é possível desde que tenhamos um pouco de força de vontade e por isso é que eu aqui estou”, afirma.

A entrevista decorre à margem do treino na Associação de Shorinji-kempo do Concelho de Salvaterra de Magos, para onde Cátia vai duas vezes por semana, rotina que cumpre desde há cerca de seis anos.

Segundo o mestre Jorge Monteiro, “Cátia surpreende pela grande vontade”, já que a falta de visão obrigou a que encontrasse outras formas de ensinar as várias técnicas do Shorinji-kempo.

O Shorinji-kempo é uma arte marcial originária do Japão, que, ao contrário da maior parte das artes marciais, assenta na lógica de trabalho solidário, explicou Jorge Monteiro, dando como exemplo o ginásio social entretanto criado e que serve toda a comunidade.

“Uma das formas que nós usamos para trabalhar com a Cátia é, nas famílias de técnicas em que se trabalha com pancadas, nós informarmos a Cátia através de um som e ela vai, pelo som, reproduzir a técnica que se pretende fazer”, exemplifica.

Ao longo dos anos, Cátia foi adaptando-se às situações. Não nega que houve dificuldades e que, no início, não foi fácil, principalmente porque não conseguia visualizar os gestos.

“Eu acho que nós estamos sempre a ultrapassar tudo. Eu tenho dificuldades, mas também, na verdade, quem é que não têm?”, questiona.

Já participou em cinco campeonatos. Em três deles ficou em primeiro lugar, num, em segundo e, noutro, em quarto. É atualmente cinto castanho e, dentro de um ano, espera alcançar o cinto negro, mas a maior conquista foi sendo feita fora do tapete.

“Sinto que consegui ultrapassar muita coisa, não só a nível técnico, mas também social. Tornei-me uma pessoa mais ativa, mais desinibida”, aponta, explicando que a filosofia inerente ao Shorinji-kempo faz com que não esteja centrada em si própria, mas que se preocupe mais com os outros.

Entre as 20 operações que fez ao longo da vida, Cátia fez, há oito anos, um transplante de córnea que lhe “favoreceu alguma visão”.

Não sabe o grau de visão porque nunca perguntou ao médico. Basta-lhe saber que só vê vultos e alguma claridade. Com a saúde debilitada por causa de todas as anestesias gerais que levou, Cátia sabe também que prefere ficar como está a submeter-se a mais uma cirurgia, sem garantias de resultados.

“Não vou negar que gostava de ver, mas se não tenho essa possibilidade, só tenho de viver com aquilo que tenho”, afirma, perentória.

O problema é que, se até há pouco tempo achava que tudo era possível apesar da cegueira e que não tinha quaisquer limitações, Cátia tem-se apercebido de que as coisas, afinal, não são bem assim.

“A visão faz muita falta em diversas coisas, como na mobilidade e principalmente para adquirir um emprego porque, para nós, portadores de deficiência, é muito difícil adquirir um emprego e eu estou a passar por isso”, admite.

A quem a puder ajudar, Cátia deixa apenas uma garantia: “Empregue-me porque eu vou tentar fazer o melhor possível, o melhor que sei”.

Por Susana Venceslau (texto) e José Sena Goulão (fotografia)