O Conselho de Ministros reúne-se este sábado para discutir a proposta de Orçamento do Estado para 2015, o primeiro ano após o programa de resgate. Mas a troika continua a estar “presente”, até porque volta a aterrar no Aeroporto de Lisboa alguns dias depois. Aliás, é o próprio Governo que reconhece, na versão preliminar da proposta de Orçamento do Estado, que 2015 será um ano em que pouco irá mudar.

“Todas as leis e ou regulamentação que se encontrem diretamente dependentes da vigência do PAEF [programa da troika] e/ou Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), para 2010-2013, nas suas diversas fases, mantêm-se em vigor durante o ano de 2015”, escreveu o Governo no artigo 192º de uma versão preliminar da proposta de Orçamento do Estado para 2015 a que o Observador teve acesso. A indicação vai ao encontro das declarações de Passos Coelho, que disse esta semana que não há “muita margem para poder relaxar” na consolidação orçamental e que é necessário manter uma linha de disciplina e rigor” para cumprir o compromisso de reduzir o défice.

Este é um orçamento que não esquece a troika? “Com certeza”, diz ao Observador Miguel Beleza, economista e antigo ministro das Finanças. “Este é um orçamento feito ainda sob a pressão dos mercados. Não só da troika mas sobretudo dos mercados, que são mais exigentes do que a troika”. Apesar de nesta fase a crise da dívida parecer uma memória distante, com as taxas de juro em mínimos históricos nos mercados, estes continuam a “querer que tenhamos cuidado com a despesa e que reduzamos o défice”.

O politólogo António Costa Pinto concorda que “este orçamento será uma continuação da disciplina orçamental imposta pela troika, agora na figura da União Europeia”. No fundo, “com ou sem troika, Portugal terá de continuar a fazer orçamentos deste género nos próximos anos, porque a margem de manobra é muito escassa”, diz o politólogo, salvaguardando que “assim será, a menos que haja alterações estratégicas na Europa”.

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Pode, contudo, haver espaço para alguma “flexibilidade” neste próximo orçamento, diz ao Observador Christian Schulz, economista do Berenberg Bank em Londres. “As regras orçamentais da União Europeia (o Tratado Orçamental, o Procedimento dos Défices Excessivos) são as mesmas, e a troika vai continuar a monitorizar os progressos de forma regular”, afirma o especialista. “No entanto, como o programa terminou e já não há mais tranches a desembolsar, o Governo tem algum grau de flexibilidade”, o que na prática significa que o governo de coligação pode “alterar a composição das medidas, desde que as metas finais sejam atingidas”.

Troika monitoriza Portugal à distância e, duas vezes por ano, “in loco”

O Governo comprometeu-se com um objetivo de 2,5% para o défice das contas públicas no próximo ano, e é nessa base que a proposta de Orçamento do Estado para 2015 está a ser preparada. O documento será entregue na Assembleia da República até ao próximo dia 15, quarta-feira, e num dos dias seguintes representantes da troika regressam a Lisboa para a primeira missão de acompanhamento desde o final do programa de resgate.

Estas visitas deverão ocorrer duas vezes por ano pelo menos até 2030, altura em que o Estado português já terá reembolsado cerca de três quartos da assistência financeira que recebeu da troika composta pela Comissão Europeia (responsável pelos fundos europeus), o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Portugal estará sob o olhar atento desta última instituição até que os recursos emprestados sejam inferiores ao dobro da quota do país junto do FMI, que no caso de Portugal é de 1.150 milhões de euros. Os 26.000 milhões de euros recebidos do FMI são maiores do que a quota de Portugal em mais de 22 vezes. No caso do empréstimo do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (garantido pelo Orçamento europeu), este implicará uma monitorização até que o último cêntimo seja reembolsado.

Com a proposta de Orçamento do Estado prestes a ser entregue, os analistas e investidores estrangeiros não parecem ver potencial para surpresas negativas. Apesar de admitir uma maior “flexibilidade”, Christian Schulz, economista do Berenberg Bank, diz que “o Governo fez muito para reconquistar a confiança em Portugal e não parece provável que queira agora desperdiçar isso”. É que, na opinião do economista, “o Governo tem boa reputação em Bruxelas e Berlim, o que provavelmente atenuou o nervosismo do mercado durante a crise do BES, e isso poderá ser útil em possíveis momentos de incerteza”.

Daí que, apesar de o próximo orçamento ser também um orçamento para ano de eleições legislativas, António Costa Pinto não veja qualquer margem para uma “recuperação de popularidade por parte do primeiro-ministro”. “Pode ser tarde para isso”, diz o politólogo, convencido de que este orçamento não será muito mais do que um “exercício de negociação” entre os dois partidos da coligação. E que, quando se fala em flexibilização, “esta já existiu, nomeadamente devido às decisões do Tribunal Constitucional, que obrigou à reposição de 20% dos cortes salariais na função pública”, recorda.