Uma Lisboa diferente consoante os olhos de quem a vê. Para a oposição municipal, “o estado da cidade é mau, é mesmo muito mau”, nas palavras do deputado do PSD Magalhães Madeira. Do lado do executivo camarário ninguém se atreve a dizer que o estado de Lisboa é bom, mas os vereadores e presidente rejeitam muitas das críticas dos opositores e destacam o trabalho realizado no último ano.

Naquele que foi, presumivelmente, o último debate sobre o estado da cidade em que António Costa participa enquanto presidente da câmara, o grupo parlamentar do PCP aproveitou para afinar as suas intervenções pelo diapasão da “herança” que o agora candidato a primeiro-ministro do PS deixa a Lisboa. “Não poderia ser mais fácil e claro o balanço do estado da cidade”, afirmou o deputado comunista Modesto Navarro, que diz que Costa “já faz as malas para tentar ocupar outros interesses”, “novas aventuras e conquistas”. A sua comunicação à assembleia municipal foi, aliás, a única que mereceu resposta direta da parte de Costa, no encerramento da longa reunião.

“Estou comovido com a atenção que têm dedicado à minha vida e ao meu futuro político”, brincou Costa, para quem os deputados e vereadores da oposição “deviam estar bastante felizes por eu ir deixar de ser presidente de câmara, se eu sou tão mau, tão mau…”.

“Estamos de facto melhor ou pior? A câmara presta ou não um melhor serviço aos lisboetas? Temos razões para acreditar que não”, disse Sérgio Azevedo, deputado do PSD, para quem o estado da cidade se verifica “em episódios semelhantes aos de ontem [segunda-feira]”: as cheias. Na única vez em cinco horas de reunião em que o executivo se referiu a essas inundações, logo no início do debate, Costa repetiu o que já dissera cá fora aos jornalistas – que o plano geral de drenagem avançará com financiamento “através do fundo de coesão”, mas que isso não impedirá que o cenário se volte a repetir. “Como ontem [segunda-feira] pudemos constatar, não podemos adiar sine die” a concretização do plano, afirmou. A Duarte Cordeiro, vereador da Higiene Urbana (que, ainda esta terça, reiterara o que Costa disse na assembleia) e a Carlos Castro, vereador da Proteção Civil, nada se ouviu sobre inundações.

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Depois disso, pautou a sua intervenção pelo destaque dos fatores que têm contribuído para o “dinamismo económico significativo” da capital. Lisboa é cada vez mais um destino turístico e universitário, destacou o autarca, referindo que, em 2014, houve três milhões de dormidas nos primeiros cinco meses do ano, bem como um número recorde de 14 mil estudantes estrangeiros nas universidades lisboetas. O empreendedorismo local e a posição geográfica de Lisboa – que atraiu 16 novas multinacionais – foram os outros destaques do discurso de Costa.

“No final deste mandato, o conjunto das Av. da Liberdade, Fontes Pereira de Melo e da República estarão a concluir a sua integral regeneração”, disse o autarca.

A questão da reabilitação urbana e da venda de património municipal foram dois dos temas mais abordados pelos deputados da oposição.

“Não há reabilitação urbana que não seja privada e cara, que poderá trazer habitantes de luxo mas deixa de fora os jovens lisboetas e outros, numa cidade sem política de acusação séria, popular e a custos controlados”, acusou Modesto Navarro.

A ideia foi entusiasticamente refutada por Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, eleito pelo PS. “A cidade está viva, está atuante, está a andar para a frente”, disse, recolhendo aplausos da plateia. “Está a haver reabilitação urbana, Lisboa tem sido uma bolsa de resistência”. Também Fernando Medina, vice-presidente da autarquia, afirmou que “a reabilitação urbana é incontornável e indesmentível”.

Um argumento que não convenceu a oposição. Cláudia Madeira, do Partido Ecologista Os Verdes, acusou mesmo Costa de ter uma “vocação de mediador imobiliário”, numa referência à alienação de património municipal que tem ocorrido nos últimos tempos – e que, segundo o executivo, não tem sido feita “ao desbarato”, referiu Medina.

Ao fim de mais de cinco horas de reunião, não houve qualquer consenso sobre o estado da cidade. Do lado da oposição, a ideia de que “Lisboa merece mais” e “precisa de outras políticas e outra gestão”. Do lado do executivo camarário, a afirmação de que esta é, hoje, “uma cidade mais bem administrada”. “A melhor avaliação do estado da cidade é feita lá fora, com as pessoas”, afirmou, em jeito de conclusão, Cláudia Madeira.