Após meses de terror na Síria e no Iraque, algumas das cerca de 3.500 pessoas que deixaram para trás os seus países de origem na Europa para se juntarem ao grupo terrorista autointitulado Estado Islâmico, querem regressar. Rui Machete, ministro dos Negócios Estrangeiros, já disse que há portugueses nesta situação, mas também há austríacos, britânicos e belgas. Agora, a União Europeia divide-se quanto ao tratamento a dar a estes jihadistas regressados. Enquanto algumas vozes no Reino Unido têm vindo a defender a retirada da nacionalidade aos ex-combatentes, outros deputados europeus, como a portuguesa Ana Gomes, querem que estas pessoas mantenham todos os direitos no regresso e sejam julgadas nos seus países de origem por atos de terrorismo.

Na quarta-feira debateu-se no Parlamento Europeu a importância da rápida aprovação do Registo de Nomes de Passageiros, que vai permitir aos Estados-membros monitorizarem quem circula no espaço aéreo dos 28 de forma concertada. Uma ferramenta que teria sido útil no combate à fuga de europeus para se juntarem ao Estado Islâmico e, com este mote de combate ao terrorismo, o debate fez com que vários eurodeputados em plenário se pronunciassem sobre este fenómeno, especialmente ao tratamento jurídico a ser aplicado a quem quer regressar agora aos seus países de origem.

No Reino Unido, o antigo número dois do equivalente britânico ao ministro da Administração Interna, David Davis, tem vindo a defender que deve ser retirada a cidadania a quem esteve a combater na jihad, impedindo assim o seu regresso ao país. “Ir para o estrangeiro para lutar e matar por uma causa hostil à Grã-Bretanha e aos seus aliados da NATO deveria ser contra a lei britânica e deve ter uma sentença pesada. Mas eu vou mais além. Já que estes jovens juraram fidelidade a esta organização terrorista, devem perder a cidadania britânica – e isto não é só para quem tem dupla nacionalidade”, disse Davis ao Telegraph.

Apesar de não terem defendido abertamente esta posição no Parlamento Europeu, os conservadores europeus, disseram esta quarta-feira que “não há lugar” para este tipo de violência na Europa. “Os cidadãos europeus estão a radicalizar-se, viajam para a Síria para eventualmente voltarem aos nossos países e cidades como assassinos, querem substituir uma Europa de segurança e paz por uma Europa de destruição”, disse o eurodeputado conservador Timothy Kirkhope durante a discussão.

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Esta medida é, segundo Ana Gomes, eurodeputada do PS, uma “violação dos direitos humanos”. A eurodeputada defendeu durante o debate no plenário em Estrasburgo a necessidade do registo de passageiros, tendo em atenção o respeito pela privacidade e partilha de dados, mas disse ao Observador que retirar a cidadania aos europeus que vão para a Síria vai fazer não só com que eles não sejam julgados pelos seus crimes em lado nenhum, como ainda coloquem problemas aos países vizinhos da União Europeia. “A nossa responsabilidade é enorme. Temos sim de combater a discriminação e prevenir a radicalização, tendo em conta que quem regressar da Síria ou do Iraque tem de ser criminalmente responsabilizado”, acrescentou.

A eurodeputada diz que os Estados europeus não são terroristas e por isso não devem agir como tal infringindo regras básicas dos direitos humanos. Para Ana Gomes, a resposta a esta ameaça deve ser europeia e coordenada, até porque Portugal “não tem fundos para combater o fenómeno sozinho”. A eurodeputada diz ainda que há “urgência” em avaliar o assunto.

Na última semana, o ministro do Negócios Estrangeiros britânico, Philip Hammond, avançou à BBC que os cidadãos britânicos que regressassem desta organização terrorista poderiam ser julgados por traição, um crime com raízes medievais e que até 1998 era punível com pena de morte. David Cameron, primeiro-ministro, disse no início de setembro, perante o Parlamento, que já tinham sido retirados passaportes preventivamente a alguns cidadãos que poderiam estar prestes a juntar-se ao Estado Islâmico.

Cada cidadão “deve ser julgado pelo seu sistema judicial”

O PPE, o grupo maioritário no Parlamento Europeu, considera que a luta contra o terrorismo representa uma “exceção” e que sistemas como o Registo de Nomes de Passageiros requerem “bom senso” da esquerda e da direita, afirmou o eurodeputado do CDS, Nuno Melo, ao Observador. Quanto ao processo pelo qual devem passar os jovens que queiram regressar do Estado Islâmico, o centrista diz que isso deve ficar ao critério de cada Estado-membro, já que cada um “possui o seu próprio sistema judicial”.

“Não tenho qualquer dúvida que os portugueses que se juntem a essa organização e voltem, devem ser julgados e punidos. Estas pessoas não revelam um sentido humanitário básico” afirmou Nuno Melo.

Quanto a registo interno de passageiros que circulem na UE, Nuno Melo diz que já é feito por exemplo nos Estados Unidos e que já preveniu situações perigosas na Europa. “Esse registo neste momento está disperso por todo o lado e é uma ferramenta que facilita a monitorização do trânsito das pessoas”, diz o centrista que defende ainda um incremento nos contactos entre os serviços secretos dos vários Estados-membros. “Esta situação mostrou que não estamos imunes”, rematou o eurodeputado.

Nota: Texto atualizado no dia 24 com as declarações do eurodeputado Nuno Melo e posição do PPE