Se houvesse um dicionário de futebol, o termo “rabona” diria “gesto divino que leva milhões à loucura”. Rabona é uma palavra universal, mas caminha de mão dada com o castelhano. As pernas entrelaçam-se, como se estivessem num bailado, e o pé improvável toca na bola. Parece simples, mas há quem nem ouse tentar.

Os brasileiros gostam de dizer “passe de letra” ou “golo de letra”, uma expressão que terá brotado da mente engenhosa do jornalista Mário Filho, em 1942. O primeiro herói brasileiro da rabona, golo de letra, o que quiserem, foi um tal de Isaías. Por que falamos nisto tudo agora? Porque Érik Lamela, um canhoto do Tottenham, marcou um dos melhores golos de sempre, arriscamos dizer. O que é uma rabona? Diego Maradona ensina:

O Tottenham despachou quinta-feira o Asteras Tripolis por 5-1. Aos 21 anos, Harry Kane teve uma noite memorável. O avançado inglês fez um hat-trick e, a três minutos do fim, teve de calçar as luvas e vestir a pele de guarda-redes — Hugo Lloris viu o vermelho direto. Kane teve boa vontade, mas faltou o jeito: sofreu um frango depois de um livre direto marcado por Barrales. Esta noite incrível, qual montanha-russa, só não foi a de Kane porque Lamella não deixou.

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O argentino que Villas-Boas foi buscar à Roma por mais de 30 milhões de euros, no verão de 2013, decidiu imortalizar o nome, com um dos melhores golos já vistos. Os deuses no Olimpo levantaram-se e aplaudiram o canhoto provavelmente. O Tottenham, agora de Pochettino, vencia apenas por 1-0, quando Lamella bateu na bola como Maradona tantas vezes fazia.

“É provavelmente o melhor golo [de um jogador meu]”, começou por dizer Pochettino depois do jogo. “Só um jogador com aquela capacidade consegue marcar um golo assim. Eu nunca mostro emoção, até com um golo assim. Desfrutarei em casa, na minha cama.” Mas o tom sério do treinador acabou pouco depois. “Uma vez marquei um golo assim. Podem encontrá-lo no YouTube.” Negativo. Não encontrámos nada, senhor Pochettino.

“Fiquei espantado. Por dois minutos eu só pensei naquele golo”, reconheceu Jan Vertonghen, um defesa belga dos spurs. “Penso que o Prémio Puskas [melhor golo do ano] já é dele. É o melhor golo que assisti ao vivo. Já vi muitos vídeos no YouTube, mas nunca vi um golo assim.”

As redes sociais viraram-se do avesso, pois claro. O defesa Ben Davis, o número 33 do lado esquerdo, até colocou as mãos na cabeça. É caso para isso. Para muitos, o gesto pode ser visto como brincadeira ou tentativa de humilhar o adversário, mas a verdade é que muitos jogadores batem melhor na bola assim do que se usarem o pé contrário. Um exemplo? Angel Di María.

O extremo do Manchester United até marcou um golo assim pelo Benfica contra os gregos do AEK em 2009. O gesto foi delicioso e vale a pena lembrar (em baixo). O canhoto é porventura o jogador que mais recorre a este toque. Mas até Mário Jardel, que para tantos era um tosco, teve o dom e a ousadia de marcar um golo desses. Tudo aconteceu em 1998, para a Taça de Portugal. O FC Porto vencia o Juventude de Évora por 1-0 ao intervalo. Depois, entrou Jardel e tudo mudou. O jogo acabou 9-1 e só ele marcou sete golos. Sete. Um deles foi de letra. Vamos a isto, moeda na máquina do tempo:

 

https://www.youtube.com/watch?v=m2pkIBz-vsg

Mais recentemente, Marcos Rojo, o ex-defesa do Sporting, cortou uma bola na área num jogo do Campeonato do Mundo. Coragem, loucura e inconsciência? Talvez, mas futebol espetáculo, seguramente.

https://twitter.com/Vine_Football/status/511166272122257409

Exemplos de jogadores que deviam ter estado quietos… também há: