“Julgo que o facto de Portugal ser um dos três países da União Europeia que não tem acordos de proteção de investimento com os Estados Unidos é algo que nos tem prejudicado e que tem de mudar. Se olharmos para o que se passa na Europa vemos que os estados que têm atraído o investimento têm este tipo de mecanismos e não podemos ficar de lado”, declarou o secretário de Estado dos Assuntos Europeus em entrevista à Lusa.

A inclusão de uma cláusula relativa à resolução de disputas entre estados e empresas fora dos tribunais europeus na Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento que está a ser negociada entre União Europeia e Estados Unidos tem sido muito contestada e o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker já disse que está contra.

O Governo português tem outra opinião e defende que a parceria, mais conhecida pela sigla inglesa TTIP, deve conter um mecanismo deste género, desde que “equilibrado”, entre os interesses das empresas e a necessidade “de atrair e proteger o investimento” e o interesse dos estados em regular o interesse público, a saúde, o ambiente ou as normas sociais.

“Tudo isso tem de ser protegido”, sublinhou Bruno Maçães, destacando que a preocupação passa por proteger fundamentalmente os direitos e os interesses de Portugal.

“Nos últimos 20 ou 30 anos o nosso investimento tem dependido muito das dinâmicas de investimento estrangeiro. Quando fazemos parte dessas dinâmicas crescemos, quando estamos excluídos, crescemos pouco, estagnamos ou entramos em recessão”, notou.

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O secretário de Estado frisou que este tipo de acordos, de proteção de investidores, “ajuda os estados a fazer um conjunto de reformas que atrai o investimento, porque confere estabilidade legislativa e regulatória”. Salientou, por outro lado, que esta cláusula já está presente noutros acordos de comércio e investimento, “mas numa espécie de paisagem caótica (…) muito desequilibrada e excessiva em alguns casos onde as empresas, os investidores têm demasiadas prerrogativas em possíveis disputas com estados”. Por isso, continuou, o objetivo não é criar este mecanismo, e sim “discipliná-lo”, para que não se ponha em causa “a possibilidade de fazer escolhas democráticas válidas”.

“As pessoas têm de ser capazes de decidir para onde querem que o seu país vá e este mecanismo de modo nenhum interfere com isso. O que pretende é acautelar a possibilidade de os estados discriminarem contra investidores ou levarem a cabo expropriações”, explicou, acrescentando que este será um conceito “muito bem tipificado”.

Bruno Maçães garantiu que o modelo que está a ser discutido no âmbito dos acordos comerciais com os Estados Unidos e o Canadá trará “maior proteção aos direitos dos estados” e terá salvaguardas. Disputas como as que opõe a empresa sueca de energia Vattenfall à Alemanha, por causa da decisão de encerrar as centrais nucleares, ou a tabaqueira Phillip Morris ao Governo australiano, que decidiu passar a vender maços de cigarros sem marca, “provavelmente não seriam aceites”. Isto porque “há uma cláusula de salvaguarda ambiental” e outra que impede que as empresas recorram à arbitragem se a sua atividade não estiver localizada nesse país.

Sempre que as decisões não forem favoráveis aos estados “estão previstas indemnizações que serão determinadas, mas isso será apenas em casos extremos de discriminação de tratamento desproporcionado ou expropriação”, acrescentou. Mas além de ainda não estar decidido qual o tribunal arbitral onde serão julgados os processos (o atual Centro Internacional de Resolução de Disputas de Investimento funciona junto do Banco Mundial), há outras questões por resolver como decidir quando é que o mecanismo pode ou não ser acionado, que transparência será dada aos processos ou impedir que uma empresa possa escolher o fórum onde pode ativar o mecanismo. Isto se forem ultrapassadas as objeções de Juncker e a polémica cláusula vier a ser integrada no TTIP.

“A jurisdição dos estados não pode ser afetada e temos de ter uma discussão muito completa, muito aberta sobre a forma exata em que o mecanismo vai ser defendido junto dos Estados Unidos”, admitiu Bruno Maçães, que acredita ainda ser possível concluir o TTIP no final de 2015. “Não escondo que é difícil, mas continuo a achar que é possível. Temos de ser capazes de tomar decisões importantes, não podemos ter um espírito de ter receio de tudo”, vincou o governante.