“Tenho dois irmãos a viver em Espanha e gosto muito de realeza, sobretudo da inglesa e da espanhola”, conta Irene Amaral entusiasmada. Ela e o marido estão à janela de sua casa, cada um do seu lado. Estão casados há 10 anos e vivem há dois na Rua D. Manuel I, perto da Casa dos Marcos, na Moita, o local que vai acolher a rainha Letizia. Ele está reformado e ela desempregada e, àquela hora da manhã, esperam para ver a monarca passar. Só não gostam do facto de estarem “fechados” em casa. Por indicação policial, os moradores não podem estar na rua: “O meu marido teve de pedir por favor para ir tomar café hoje de manhã. Não avisaram ninguém. Apenas sabíamos onde não podíamos estacionar”. Depois da queixa, volta a sorrir. “Ela [a rainha] é muito bonita.”

Tal como eles, muitos outros esperam às janelas para ver a rainha passar. É o caso de Cláudio Monteiro. Aos 70 anos, vai olhando para ambos os lados da rua, mais curioso do que ansioso. Quer vê-la porque já esteve em Madrid e em Barcelona, cidades das quais sente algumas saudades. Nunca viu a nova rainha ao vivo. É por isso que está de cara encostada ao vidro e…. de estômago vazio, pelo que interrompe a conversa e diz: “Enquanto não chega, vou tomar o pequeno-almoço”.

Não há turistas em redor. Nem uma multidão entusiasta a segurar bandeiras ou cartazes com mensagens de apoio à casa real espanhola. Há, ao invés, uma manifestação a acontecer a cerca de 200 metros da Casa dos Marcos. Uma centena de pessoas está ali para protestar contra o Governo português e repete palavras de ordem. “Desemprego não. Emprego sim”, gritam. “Está na hora, está hora, de o Governo ir embora”, cantam. A GNR observa-os com cuidado e vai dando indicações: a guarda republicana não quer problemas naquela que é a segunda visita oficial (sem o rei) de Letizia, depois da entronização que marcou a história do país vizinho a 19 de junho, e a primeira a Portugal. A monarca aterrou em Figo Maduro pouco tempo antes para participar na cerimónia de encerramento do II Congresso Ibero-americano de Doenças Raras.

“Os moradores estão a ser avisados desde o início da semana das medidas de segurança adicionais e sabem que hoje não podem vir para este lado da rua. Eles podem sair de casa, não estão presos”, explica o Capitão Madeira, da GNR, ao Observador. “Além disso, tiveram que retirar todos os carros que estavam aqui estacionados — quer por motivos de segurança, quer pela reserva que foi feita pela presidência da república para haver estacionamento para os congressistas”. A escolta, esclarece, vai ser constante até “Sua Majestade” estar de novo no avião que a trouxe a solo nacional.

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O relógio marca as 10h40 quando a rainha plebeia chega finalmente ao ponto de encontro num Mercedes Classe A — com cerca de 15 minutos de atraso, segundo o programa que foi entregue aos jornalistas. À porta, para a receber, está uma comitiva composta por Maria Cavaco Silva, Paulo Brito e Costa, presidente da Fedra, Rui Garcia, presidente da Câmara Municipal da Moita, e Juan Carrión, presidente da ALIBER (Aliança Ibero-americana de Doenças Raras).

Letizia Ortiz sai do carro a envergar um conjunto vermelho, composto por uma saia com pormenores florais e casaco no mesmo tom, além de uma blusa a mostrar um padrão animal. Todos os presentes tem direito a um aperto de mão, à exceção da primeira-dama portuguesa que recebe também um abraço caloroso — tudo é feito ao som (e registo) constante de flashes fotográficos. Antes de se retirar para o interior do edifício, Letizia dirige-se ainda aos jornalistas, os quais cumprimenta por duas vezes e em português. “Bom dia”. Em resposta recebe um apressado “aqui, Letizia, aqui!”. Mais flashes se seguem.

Durante cerca de uma hora a rainha é guiada pela estrutura da Casa dos Marcos (inaugurada em 2013 pela primeira-dama portuguesa), numa visita privada e longe de olhares alheios. Ou quase. Só mais tarde surge diante do público, sempre de sorriso pronto — ao contrário de visitas anteriores onde se mostrou mais reservada –, para discursar na cerimónia que dita o fim do congresso Ibero-americano. A ex-jornalista de 42 anos é das últimas pessoas a falar. Ao redor estão congressistas, jornalistas, crianças que sofrem de doenças raras e funcionários da instituição. O silêncio cai na sala para ouvir a monarca falar. As câmaras dão sinal de estar a gravar e os dispositivos móveis são retirados dos bolsos para registar o momento.

“Bom dia e obrigada pela oportunidade de voltar a Portugal, um lugar onde me sinto em casa”, começa por dizer num português forçado, mas compreensível que deixa a plateia, composta por centenas de pessoas, enternecida e de sorriso no rosto. “Não foi há muito tempo que aqui estive com o rei [a 7 de julho, naquela que foi a primeira visita oficial após a entronização], uma visita que deixou clara a proximidade entre os dois povos, o espanhol e o português”.

Feitos os agradecimentos, agora em castelhano, a rainha fala das dificuldades de quem vive com uma doença rara e do sofrimento das respetivas famílias: “Todos sabem como é difícil, muitas vezes, encontrar o diagnóstico correto, ter acesso a tratamentos que ajudem a deter o seu avanço e a mitigar os sintomas. (…) Todos sabem que são doenças incapacitantes que provocam desigualdades”. Nos países ibero-americanos há cerca de 35 milhões de pessoas com alguma patologia de baixa prevalência. Em Portugal, contam-se entre 600 e 800 mil pessoas com doenças raras.

No discurso, feito num passo acelerado, garante ainda que as doenças em causa têm diversos aliados e que a investigação científica, por si só, pode implicar progressos: “O fomento e o apoio — de todas as instituições de qualquer espécie — e a investigação são imprescindíveis. É um dever fundamental”. E agradece em público o trabalho das associações que trabalham em prol de quem tem uma doença rara, estas que “acolhem e assistem as famílias que procuram respostas e ajudas”. Letizia termina com um agradecimento especial a Maria Cavaco Silva: “Obrigada de novo pela sua hospitalidade e pela sua participação numa luta contra as doenças raras. Toda a voz é importante. E a sua ouve-se com mais força nesta causa”. A plateia aplaude de pé a rainha plebeia.

Depois de um almoço vedado aos jornalistas, a visita prossegue na Fundação Calouste Gulbenkian, onde está patente até 25 de janeiro a exposição “A História Partilhada. Tesouros dos Palácios Reais de Espanha”, constituída por 141 obras de arte que pertenceram, em tempos, à casa real espanhola. Desta vez não há atrasos e mostra é feita num passo rápido, sempre com jornalistas no encalce da rainha. A pontualidade vem de mãos dadas com a reserva, até porque Letizia não se dirige mais nenhuma vez aos jornalistas a não ser para uma fotografia final, já no exterior do edifício que acolhe a exposição em questão. Para o retrato, coloca-se lado a lado de Maria Cavaco. Sorri, pestaneja fortemente para repelir o efeito ofuscante dos flashes, e sorri novamente.

Ainda antes de se retirar há despedidas (mais uma vez) calorosas para a primeira-dama de Portugal. Mas não só. Por breve momentos, a rainha retira-se do protocolo para cumprimentar um desconhecido. Dois beijinhos na cara e uma pose para a fotografia. O indivíduo com sotaque castelhano não quis ser identificado e adiantou apenas ser um amigo de Letizia, esta que entra no seu Mercedes Classe A da mesma forma que dele saiu. Sorridente. Elegante. Real.