O mechelote, instrumento fundamental na preparação de uma mais das tradicionais bebidas da ilha da Madeira, a poncha, tornou-se um utensílio muito procurado pelos turistas, tendo-se já espalhado por todo o mundo. “Graças a Deus, o mechelote é um produto que tem muita procura e eu sei que os meus já chegaram a todo o mundo, à conta dos turistas e dos emigrantes”, disse à agência Lusa Humberto Silva, um mestre na arte de fazer aquelas peças, com oficina na freguesia do Santo da Serra, concelho de Santa Cruz.

O mechelote é usado para esmagar e misturar os ingredientes que compõem a poncha, como o limão, o mel e a aguardente (na receita clássica), pelo que também é conhecido por pau da poncha. Os madeirenses usam ainda um termo vernáculo para se referir ao misturador, inspirado no seu aspeto fálico. Humberto Silva tem 62 anos, mas só começou a produzir os paus da poncha em 2005, depois de um acidente de trabalho na construção civil. “Foi uma arte tardia, mas não tive muita dificuldade em dominá-la”, disse, assegurando: “Não aprendi com ninguém, simplesmente comecei e não desisti”.

Os mechelotes “de 40 centímetros são profissionais, usados nos bares para fazer poncha todos os dias em jarros grandes”, explica Humberto Silva.

Agora, é um especialista e fala do assunto com segurança. “Um pau de poncha normal mede entre 30 e 40 centímetros”, explicou adiantando que “os de 30 centímetros, que são os caseiros, servem para fazer uma poncha ou uma sangria de vez em quando, num jarrinho de meio litro. Os de 40 centímetros são profissionais, usados nos bares para fazer poncha todos os dias em jarros grandes”. Humberto Silva assegurou que um mechelote de 40 centímetros, a fazer cinco a dez litros de poncha por dia num bar, sobrevive cerca de um ano.

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Depois, tem necessariamente de ser substituído, daí que o artesão tenha sempre trabalho e aponta que na sua oficina faz entre 10 a 12 mechelotes por hora, com a ajuda dos dois filhos e de algumas máquinas (plainas, serras, tornos), mas, acima de tudo, conta com a habilidade das suas mãos, já que, como realçou, “a máquina trabalha mas não faz tudo”. Segundo Humberto Silva, o tipo de madeira usado é fundamental para determinar a qualidade do mechelote, pelo que usa sobretudo madeira de cedro, embora tenha reconhecido que a de laranjeira é melhor. Os seus mechelotes até têm imagem de marca. “Onde houver paus de poncha com esta sequência de linhas – duas, três, duas — significa que são meus. É o meu símbolo, a minha assinatura”, disse.

Pensa-se que o modelo do pau da poncha pouco mudou ao longo do tempo, sabendo-se que no início eram totalmente feitos à mão e com os dentes quadrados.

A cabeça do mechelote é composta por duas partes, onde são talhados à navalha oito dentes curvados, quatro em cada parte e em sentido contrário, de modo a permitir uma boa mistura, porque “se tiver mais do que quatro dentes, vai espalhar aguardente por todo o lado quando se começar a fazer a mistura”, explicou Humberto Silva. O artesão sublinhou que “não dá para ficar rico a fazer mechelotes” e apontou que vende os misturadores diretamente ao público, em feiras de artesanato, embora também receba encomendas de bares e lojas de recordações.

Pensa-se que o modelo do pau da poncha pouco mudou ao longo do tempo, sabendo-se que no início eram totalmente feitos à mão e com os dentes quadrados. Também é provável que os primeiros exemplares tenham sido talhados em marfim, embora não se conheça nenhum exemplar, admitindo-se que o misturador tenha surgido ao mesmo tempo que a receita da poncha, que no século XIX já era uma bebida comum nas casas e bares madeirenses.

Nas últimas décadas, a poncha tornou-se uma bebida extremamente popular. Saiu da vila de Câmara de Lobos, que sempre teve fama de a fazer melhor, espalhou-se por todos os bares da moda e ganhou novos sabores (laranja, maracujá, tangerina, tomate inglês). Depois, galgou o oceano e chegou a Lisboa e ao Porto. Com a poncha, viajou também o típico mechelote.