“Já saiu”. Foi assim que uma jornalista do Washington Post anunciou, no Twitter, a divulgação de um relatório inédito esta terça-feira pela Comissão de Serviços Secretos do Senado norte-americano que condena a atuação da CIA nos anos que se seguiram aos atentados do 11 de setembro.

O relatório, esperado há meses e cuja divulgação foi muitas vezes adiada na tentativa de reduzir aquilo que seria tornado público, considera que a agência norte-americana agiu de forma “brutal” durante o programa de detenção e interrogação de suspeitos de terrorismo (este programa foi suspenso em 2009 por Barack Obama). A investigação conclui ainda que a CIA enganou continuamente a Casa Branca e o Congresso, quer sobre a utilidade das informações obtidas, quer sobre a natureza dos métodos utilizados.

Cinco anos, oito meses de atraso e 40 milhões de dólares (cerca de 33 milhões de euros) depois, o relatório de 6000 páginas (apenas um sumário de 524 páginas foi tornado público) preparado pelo Senado dos EUA revela alguns pormenores sobre as técnicas usadas pelos agentes ou colaboradores da CIA em prisões secretas de todo o mundo, como escreve o New York Times, que resume alguns dos procedimentos e erros do programa.

Os detidos eram impedidos de dormir durante uma semana, sendo-lhes por vezes dito que seriam mortos quando se encontrassem sob custódia americana. Alguns prisioneiros foram sujeitos a métodos como a “hidratação retal” ou “alimentação retal”, praticada como forma de obter “controlo total sobre os detidos”, segundo um dirigente da CIA, citado pelo jornal norte-americano. A técnica da simulação de afogamento foi utilizada com mais frequência e num maior número de suspeitos do que aquilo que inicialmente havia sido admitido pela agência, que disse ter recorrido apenas três vezes ao waterboarding. Além disso, pelo menos 26 pessoas foram “detidas indevidamente”. Durante muito tempo, a CIA mentiu sobre o número de prisioneiros ao abrigo deste programa, referindo que eram 98. Os registos oficiais revelam que esse número era de 119.

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Em certos casos, os métodos utilizados foram de tal forma brutais que levaram os próprios agentes da CIA a tentar intervir. Alguns procuraram pôr um fim às técnicas de tortura, tendo-lhes sido ordenado, por superiores, que continuassem. Outros choravam durante os interrogatórios. Outros ainda ameaçaram pedir transferência caso as torturas continuassem.

Apesar da brutalidade das técnicas utilizadas, o relatório conclui – depois de analisar 20 casos concretos – que a tortura levou muitas vezes a “informação fabricada” por parte dos detidos interrogados, como disse Dianne Feinstein, que dirige a Comissão de Serviços Secretos do Senado.

Os depoimentos assim obtidos não contribuíram, de acordo com este relatório, para evitar atentados ou capturar líderes terroristas (nem mesmo Bin Laden), ao contrário daquilo que foi sendo defendido por George W. Bush, que considerava o programa da CIA “legal e humano” e que recentemente disse que estes interrogatórios tinham permitido encontrar o ex-líder da Al Qaeda no Paquistão, em 2011.

Mas, de acordo com as conclusões da Comissão, a administração Bush podia não estar totalmente informada sobre a brutalidade das técnicas utilizadas pela agência norte-americana. Sucessivamente, antigos diretores da CIA como George J. Tenet, Porter J. Goss e Michael V. Hayden exageraram o valor das informações obtidas e do próprio programa em reuniões secretas na Casa Branca e no Congresso.

A CIA já reagiu à publicação do relatório, dizendo, num comunicado, que este apenas conta “parte da história” e que tem “demasiados erros para poder ser considerado o registo oficial do programa” da agência, de acordo com o New York Times.