As regras são para se cumprir. Ponto. Já as faltas existem para punir quem as ignora. Ou, como se diz, para serem feitas quando é preciso. Aí puxa-se um termo clínico e fala-se em faltas cirúrgicas: o agarrão na camisola do adversário quando este foge num contra-ataque ou a ceifa com que se corta as pernas de um contrário, após a equipa perder a bola onde não devia. Aí aplaude-se a inteligência, fala-se da experiência do faltoso e gaba-se o sangue frio. Depois há dois cartões, um amarelo e outro vermelho, que servem para castigar uma entrada assassina e jogadores muito faltosos.

Ou “agressivos”. Palavra de Jorge Jesus, quando falou das “faltas e mais faltas” que viu o Benfica sofrer em Braga. A página de Facebook dos encarnados, aliás, até publicou um vídeo com algumas delas. Na Luz, porém, o árbitro “não [ia] consentir” o mesmo. Agora, para a Taça de Portugal, as primeiras faltas até vieram dos anfitriões — aos 1:27 a primeira, aos 3:50 a segunda. Aos 10’ aparece uma durinha, quando Maxi Pereira viu Djavan a embalar, atirou-se às pernas do adversário e disse que dali só sairia uma coisa: a bola ou o jogador. A resposta está no cartão amarelo que o árbitro mostrou ao uruguaio.

Esta cantiga prosseguiu, mas de faltas não reza esta crónica. Pelo menos destas, pois até à meia hora de jogo deu-se pela falta de alguém. Era o senhor 200, o argentino que, assim, de repente, chegava às duas centenas de jogos pelos encarnados. Nico Gaitán, o pequeno genial que tudo inventa à esquerda, ao meio, ou à direita, estava desaparecido. Até aos 30’ o Benfica vivia das arrancadas de Ola John, holandês que fintava muito, simulava bastante e, aos 13’, cruzava uma bola para César, o central, cabecear à barra da baliza de Stanislav Kritsyuk. Mas o árbitro viu uma falta no salto do brasileiro, e de nada valeu.

Depois os bracarenses foram agressivos. Nas faltas? Não, mentira. Nos ataques, sobretudo nos contras, e na velocidade com que Rafa e Pardo se desmarcava para serem alvos fáceis dos passes vindos de Rúben Micael. Aos 16’, uma bola que estava atiçada no ar foi domada na relva por Rafa, que a passou a Pardo para o colombiano, já dentro da área, rematar com força e ver Júlio César desviá-la. Aqui ainda se dava pela falta, lá está, de Gaitán. A sensação continuou — até parar aos 33’.

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Aí o argentino apareceu para ser ladrão. Junto à linha, do lado direito, roubou a bola a Pedro Tiba, tocou-a para Lima, o brasileiro reencaminhou-a para Maxi Pereira e, já perto da linha de fundo, o uruguaio decidiu cruzá-la para a área: a bola foi, voou e, quando começou a cair, já o pulo de Jonas a esperava. E a cabeça do brasileiro também. Era o 1-0 e o sexto golo do avançado na Taça de Portugal (oitavo da temporada). Olá, dizia o brasileiro ao jogo, marcando um golo para confirmar que os toques, fintas e domínios de bola que já mostrara não tinham sido em vão. E a partida, essa, dava as boas-vindas a quem antes faltara dar nas vistas.

A Nico Gaitán, que de ladrão passou a irrequieto. E a artista, pelo pontapé que, aos 41’, inventou para, com o pé direito, conseguir rematar, de forma acrobática, uma bola que ressaltou e caiu perto de si na área — e que Kritsyuk se esticou todo para parar junto ao poste da baliza. Depois, aos 45’ +1, transformou-se numa locomotiva, quando lhe chegou aos pés a bola que Jonas correu quase até à área encarnada para recuperar. Sobrou para Gaitán, e o argentino resolveu correr, correr e correr, até a devolver ao brasileiro, já dentro da metade do campo do Braga — que a passou a Ola John. Depois, o holandês, já perto da área adversário, quis passá-la a Gaitán, que abriu as pernas e criou um túnel para a bola ir ter, de novo, com Jonas. Tudo acabou num remate que Kritsyuk defendeu.

Era intervalo, o Benfica ganhava e Gaitán dava nas vistas. O que Enzo deixou de fazer, pois no balneário ficou para Pizzi entrar — falou-se, durante a semana, que este poderia ser o último jogo do argentino, na Luz, antes de o Valência o comprar. Em faltas cometidas as contas davam 13 aos encarnados e nove aos bracarenses. E aqui acaba de vez a história das faltas, pelo menos estas, pois a que a segunda parte contou foi outra.

E o que se viu, logo aos 48’, foi falta de jeito de André Almeida, que junto ao primeiro poste não acertou com o pé na bola e não cortou um canto marcado por Rúben Micael. A bola, portanto, seguiu para perto do outro poste, onde estava Aderlan Santos, a quem também faltou jeito na primeira vez que tentou rematar (falhou na bola), mas, à segunda, acertou o pontapé e fez o 1-1. Era o oitavo golo do central brasileiro pelo Braga, em três épocas de casa. Nem tempo houvera para ver como estavam as coisas após o descanso. Do lado do Benfica pareciam estar na mesma, quando, aos 56’, Gaitán voltou a abrir as pernas, deixou a bola passar de novo e, atrás de si, lá estava outro brasileiro, agora Lima, para rematar e ver Kritsyuk defender.

O Benfica, a atacar, estava bem. A bola não parava quieta, os passes eram muitos, Gaitán e Ola John encostavam-se às linhas e, quando era preciso, os cruzamentos saiam com bom destino. A defender é que não. Sobretudo às reações que a equipa tinha quando algum dos seus perdia a bola. Como a quase nula que evidencia assim que, aos 58’, o extremo holandês a perdeu para Felipe Pardo — o colombiano pegou na bola perto da linha do meio campo, começou a correr, embalou, tornou a corrida num sprint e só já à entrada da área é que César o desafiou. Aí bastou ao extremo desviar a bola para um lado, ultrapassar o defesa e rematar, rasteiro, para Júlio César não defender.

O 1-2 aparecia no jogo como surgiu neste texto — do nada. Porque o Braga, aqui, já era paciente e resolvera ser matreiro para esperar por uma oportunidade. Ela apareceu. E depois elas só com surgiriam junto da sua baliza. E foram algumas, mas só pelas alas. Ao meio, Pedro Tiba encostara-se mais a Danilo e, os dois conseguiram tapar linhas de passe pelo centro do relvado. Sobravam as alas. Aos 65’, Jonas precisou de duas fintas para se livrar de dois adversários e entrar na área, mas o remate que disparou depois não se livrou da mão direita de Stanislav Kritsyuk, o guarda-redes russo, de 24 anos, que, a pouco e pouco, deu uma cortina de ferro à baliza bracarense.

Porque nem o remate da cabeça de Jonas, aos 72’, o pontapé, de longe e com efeito de Talisca, aos 78’, ou o cruzamento que afinal era remate de Maxi Pereira, aos 82’, fizeram com que a bola fosse capaz de ultrapassar as mãos de Kritsyuk. O Benfica atacava, muito e por todo o lado, enquanto os de Braga se encolhiam numa muralha que a equipa de Jorge Jesus quebrava várias vezes. Mas o problema foi a tal cortina. Ou a falta de eficácia nos remates que não se tornaram em golos. Nem o que Anderson Talisca, aos 88, ainda disparou e rasou o poste da baliza. Mais golos? Não. O Braga aguentou, defendeu com cabeça, cortou bolas e foi-se fechando com o acerto que Sérgio Conceição, o treinador, impôs. Outra deceção? Sim, para o Benfica.

O árbitro apitou pela última vez e o Benfica, com a derrota, não voltará, esta época, a pisar a relva em jogos da Taça de Portugal. Depois de sair da Liga dos Campeões e da Europa com quatro derrotas em seis jogos, os encarnados saem da competição na qual chegaram à final em 2013 e 2012.

Sessenta anos depois, o Sporting de Braga voltou a ganhar no Estádio da Luz — e, desta vez, ganhou também o acesso aos quartos-de-final da Taça de Portugal onde, agora, em número de títulos, já só resta um grande (o outro Sporting). E, quase dois meses volvidos, foi a equipa de Sérgio Conceição a dar uma derrota ao Benfica nas competições que tinha cá dentro. Agora tem menos uma: restam-lhe o campeonato e a Taça da Liga. E a Jorge Jesus resta (após jogar no domingo para a liga, contra o Gil Vicente, às 17h) pensar e matutar sobre o que correu mal. E o que faltou à equipa.