Toca, passa e vai. Toca, passa e vai. Desde há uns anos que os espanhóis gostam disto. Adoram. Entre 2008 e 2012 ganharam Europeus e Mundiais assim, tanto os graúdos como os miúdos. De repente, umas quantas gerações foram crescendo a ver um futebol com prioridade no passe, passe, passe e a aprender a executá-lo. José Campaña foi um deles: vê, assimila, executa, mostra o que aprendeu e começa a prometer muito. Tanto que, em 2012, Julen Lopetequi o leva consigo e com a seleção sub-20 espanhola até à conquista de um Campeonato da Europa.

A 19 de dezembro de 2014 José está com 21 anos e, de desilusão em deceção, já passou por Inglaterra (Crystal Palace), Alemanha (Nuremberga) e Itália (Sampdória). Mas nada: esconde-se, não joga e vai saindo do radar. A sonda só o capta à 14.ª jornada da liga, após um clássico no Dragão onde Lopetegui viu como “muito superior” um FC Porto que perdeu (2-0) em casa com o rival lisboeta. O técnico quer ver a equipa crescer e, talvez por isso, decide mostrar, pela primeira vez, o que Campaña sabe fazer.

O espanhol é titular. Fica à frente da defesa, corre bastante, pede muito a bola e passa-a ainda mais vezes. Parece estar confortável no meio do vício nos passes e em manter a bola a circular que Lopetegui impõe aos dragões. E o Vitória de Setúbal, de um Domingos com Paciência e crença que poderia “criar algumas dificuldades ao adversário”, até o consegui fazer durante os primeiros 15 minutos: os jogadores passavam a linha do meio campo, sobretudo, quando os passes do FC Porto levavam a bola até um dos defesas centrais. Incomodam, mas não muito. Porque Óliver, Herrera e Campaña acertam nos passes. E porque Quaresma e Tello, nas alas, só veem baliza.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É o extremo espanhol, aos 11’, que à entrada da área dispara o primeiro remate da equipa, forte e de pé esquerdo, mas que vai direito às mãos de Ricardo Batista. Os dragões não falhavam passes, mas nenhum jogador acelerava o suficiente uma corrida, uma desmarcação ou uma finta para fazer mexer os homens de Setúbal. Até Danilo se lembrar de o fazer, aos 20’: o brasileiro arrancou na direita, começou a sprintar, Herrera viu-o e soltou um passe que deixou a bola à frente da corrida do lateral. Danilo apanhou-a, ultrapassou Manú, que o perseguiu e, um segundo depois de se colocar à sua frente, caiu dentro da área. Apito e penálti para o FC Porto. E 1-0, cortesia de Ricardo Quaresma.

Assim que os setubalenses levaram a bola até ao centro do campo e recolocaram a rolar, perderam-na — e os dragões, com três passes, levaram-na até Tello que, na esquerda da área, rematou para Ricardo Batista defender. Três minutos bastaram para o espanhol retornar ao lado direito do ataque, receber um passe de Campaña e, desta feita, olhar para a área e cruzar a bola. Porquê? Por ter visto Jackson Martínez, o goleador do campeonato, a desmarcar-se e a querer fazer o 11.º golo na liga. Conseguiu-o, quando desviou com o pé direito a bola e fez o 2-0.

O Vitória, até aqui, estivera encolhido. Só aos 27’ é que Diego Maurício, o avançado, saiu da área, pediu a bola, tabelou com um companheiro e, ainda a uns 30 metros da baliza, rematou rasteiro, devagar e bem ao lado da baliza. Os de Setúbal, depois, arriscaram mais. Esqueceram os passes pelo e ar e foram tentanto jogadas com a bola na relva e na metade do campo azul e branca. Paulo Tavares e Manú iam-se mexendo e a equipa até o conseguia fazer. Mas lá esta, arriscava e aumentava os espaços entre os jogadores — que o FC Porto passou a aproveitar. Vários foram os ataques rápidos que os dragões tiveram, mas, culpa de cruzamentos tortos ou do egoísmo de Tello (que aos 32, 38’ e 42’ preferiu tentar fintar a passar a bola a alguém).

O intervalo não alterou nada em quem vinha de Setúbal. A equipa de Domingos continuou a arriscar, a mandar os jogadores pressionarem os adversários nos momentos em que o FC Porto começava a desenhar jogadas. Portanto, à frente, bem à frente no relvado, junto à área azul e branca. O jogo ficou melhor. Porque houve mais espaços por onde a bola rolar e o FC Porto, de vez em quando, lá fui “muito superior”, como Lopetegui advogara, ao adversário.

Como aos 49’, quando aos pés de Óliver, no lado direito, chegou a bola que o espanhol levou a passear: fintou dois adversários com calma e cabeça erguida, sofreu uns agarrões do terceiro, que também ficou para trás e, foro da área, fez o tal passa-e-vai com Jackson para, já dentro dela, rematar em desequilíbrio e ver Ricardo Batista defender a bola (e que parada). Teria sido o melhor golo da partida que não mais viu as redes a abanarem.

O que abanou foi a defesa dos dragões, quando os setubalenses, em contra-ataque, conseguiam ser rápidos a lançar o rapidíssimo Advíncula, que se encostava a uma das linhas à espera que a equipa recuperasse a bola. Depois, era uma questão de o peruano levantar a cabeça e ver se alguém o acompanhara ou se, sozinho, teria que fintar e tentar rematar. Aos 60’ viu Pedro Queirós, que rematou por cima da baliza e, nove minutos volvidos, foi Lupeta a persegui-lo e receber um passe seu, mas Maicon, já dentro da área, conseguiu bloquear a jogada.

Trocar a bola, com poucos toques e muitos passes, já se sabe, os dragões fazem. Mas velocidade é coisa que nem sempre atiram para a mistura e, assim, os adversários habituam-se ao passeio e fica difícil desmontar defesas. Na segunda parte, depois da aventura de Óliver, só houve um livre de Quaresma, aos 68’, um remate de Jackson e outro de Herrera, aos 78’ e 79’, enviarem a bola para perto da baliza do Vitória de Setúbal — tudo a partir desde fora da área. Parecia regra, porque exceção também só houve uma: o remate de Brahimi, aos 88’, na pequena área, após Ricardo Batista defender para a frente um pontapé de Juan Quintero.

Mas não seria o 3-0 a fechar o jogo. Seria outra defesa para a frente do guarda-redes do Setúbal, que amanteigou outra bola rematada por Quintero e, depois, derrubou o mesmo Brahimi que acorreu ao ressalto. Foi penálti, mais um, e expulsão para Ricardo Batista. O 4-0 que se seguiu veio do pé direito de Danilo, que com Quaresma já no banco aproveitou para bater o penálti. Agora sim, a partida terminava.

Com excesso de peso para uns visitantes que, no contra-ataque, ainda assustaram, e sorridente em demasia para os anfitriões que só por uma vez (na segunda parte) conseguiram entrar na área adversária. O FC Porto, porém, regressou às vitórias. E em José Campaña, o tal que se estreara e tem em Xavi, do Barça, um ídolo, ganhou um passador de mira certeira — deixou em campo 63 passes certos entre os 65 que tentou. Passadores de bola é o que não falta no Dragão.