Não é um partido político mas pode vir a ser a tempo das legislativas de outubro. O Juntos Podemos, de Joana Amaral Dias, Carlos Antunes, Nuno Ramos de Almeida e outros nomes ligados às manifestações do 15 de setembro e da geração à rasca, vai beber aos ensinamentos do Podemos espanhol, que já lidera as sondagens no país vizinho, e não esconde que quer seguir-lhe as pisadas. Mas para isso, precisa de se consagrar um partido junto do Tribunal Constitucional. A recolha de assinaturas começou esta segunda-feira.
“Sabemos que não estamos a inventar a pólvora”, afirma ao Observador a psicóloga e fundadora do movimento Joana Amaral Dias, sublinhando que não “tem vergonha de dizer que o Juntos Podemos é aluno” do homónimo espanhol, ainda que não se trate de franchising. “O que temos é vergonha de dizer que somos o bom aluno da Europa, não o bom aluno do Podemos”, acrescenta.
O Podemos, partido que surgiu no espetro político espanhol apenas em maio de 2014, a tempo de concorrer às eleições europeias (onde conseguiu eleger cinco eurodeputados), é de resto o espelho daquilo que este movimento cívico encabeçado por Joana Amaral Dias pretende ser. Diz que não se posiciona nem à esquerda nem à direita, uma vez que os valores republicanos que diz defender – o aprofundamento da democracia, a escolha de um novo modelo económico e o combate à corrupção corrupção – são transversais à sociedade.
Saltou para o palco político como possível concorrente às legislativas pouco depois de o jovem partido Livre, de Rui Tavares, se ter aliado a movimentos de esquerda como a Fórum Manifesto, de Ana Drago, ou o 3D, de Daniel Oliveira (formando a candidatura Tempo de Avançar), mas diz que não correm no mesmo espaço político. “Se surgem mais partidos é porque os que existem não são suficientes”, resume Joana Amaral Dias. Mas ainda é cedo para falar em partido e para dizer que o Juntos Podemos vai estar na corrida eleitoral em outubro.
“Não sabemos se queremos concorrer a eleições, mas também não sabemos se não queremos, por isso a ideia é deixar aberta a possibilidade”, afirma a psicóloga e ex-bloquista Joana Amaral Dias ao Observador, explicando em que pé ficou o Juntos Podemos depois da primeira assembleia cidadã, realizada em meados de dezembro. Como a lei eleitoral apenas permite que concorram partidos políticos – e não movimentos cívicos – reconhecidos no Tribunal Constitucional (TC), o Juntos Podemos quis manter-se na corrida. Mas para isso precisa de 7.500 assinaturas e de uma apreciação favorável por parte do TC.
A etapa seguinte, apurou o Observador, que decorrerá em paralelo com o processo de recolha de assinaturas, é a construção das propostas eleitorais. Para isso, os promotores do movimento têm agendadas várias assembleias regionais, a começar no dia 24 deste mês no Porto, e que deverão culminar numa outra assembleia nacional onde serão condensados os vários contributos na construção de um programa político.
Mas primeiro, as assinaturas e o reforço da base social de apoio, dizem. 3,2,1, a corrida começa agora.
Do consenso social para o consenso político
Uma das dúvidas que rodeia o movimento, no entanto, é saber que espaço quer ocupar o Juntos Podemos, num quadro político em que, a par dos tradicionais partidos de oposição (Bloco e PCP), têm vindo a surgir outros movimentos com um discurso vincadamente anti-regime (como o Partido Democrático Republicano, de Marinho e Pinto). A verdade é que pelo menos uma coisa parecem ter em comum: a base de apoio assente num eleitorado tendencialmente abstencionista, que, segundo Nuno Ramos de Almeida, jornalista e membro ativo do movimento, está “cansado” da política de rotatividade ao centro e que perdeu a “confiança” nos governantes das últimas décadas.
O que rege o Juntos Podemos, de acordo com o jornalista e também ex-dirigente bloquista, é a ideia de que o “consenso social que já existe na sociedade portuguesa” seja traduzido em “consenso político”. Ou seja, que a ideia generalizada que reina na sociedade portuguesa contra a corrupção, a austeridade e a “promiscuidade” entre o poder político e económico se reflita num consenso em torno de uma alternativa política, explica.
“A democracia tal como está não serve”, explica Ramos de Almeida ao Observador, acrescentando que o movimento pretende apostar em recursos democráticos como os referendos diretos, a possibilidade de o povo revogar cargos de nomeação política ou a possibilidade de escolher um novo modelo económico para o país, para que as pessoas sejam efetivamente consultadas sobre os seus destinos.
Uma postura que, dizem os fundadores do Podemos, não é visível nos partidos já existentes. Para os promotores do movimento contactados pelo Observador, continua a haver um espaço vazio na política portuguesa que precisa de ser preenchido. “O Bloco de Esquerda e o PCP não têm conseguido estancar as atuais políticas e não é previsível que o venham a conseguir nas próximas eleições”, explica fonte do movimento ao Observador, acreditando que a população não vê nestes partidos “possíveis alternativas de poder”. Em parte porque o discurso destes partidos tende a ser mais radical em alguns pontos, o que impede a conquista de eleitorado novo: “Por isso é que o Juntos Podemos se pronuncia sobe muito poucas coisas, para concentrarmos a nossa energia no essencial”, diz.
Livre vs. Juntos Podemos, uma questão de alianças
O Livre, que já assumiu publicamente a abertura a uma coligação com o PS para virar um futuro governo à esquerda, também não é solução, dizem. Independentemente daquilo que o Juntos Podemos vai ou não ser, e das dúvidas que ainda persistem, há pelo menos uma certeza: a rejeição de alianças e coligações pré ou pós-eleitoriais. “Rejeitamos a alternância e a transformação de lobos em cordeiros”, atira Nuno Ramos de Almeida, criticando o objetivo político de ir para o governo “a qualquer custo”.
Apesar de já estar afastada do Bloco de Esquerda desde 2006, Joana Amaral Dias desvinculou-se formalmente do BE em maio de 2014 em desacordo com a postura anti-alianças. “A questão da política de alianças é fundamental para o partido e também para o momento político que o país atravessa”, disse na altura a atual promotora do Podemos português, que chegou a participar numa das convenções socialistas ‘Novo Rumo’, ainda no tempo de António José Seguro. Agora, no entanto, é precisamente esse o ponto que a afasta de outros movimentos e partidos que, à primeira vista, pareciam semelhantes, como o Livre e a Fórum Manifesto.
“As alianças políticas são um tema tão pouco interessante para nós, que nem foi discutido na assembleia cidadã [de 13 e 14 de dezembro]”, afirmou a psicóloga ao Observador, chutando desta forma para canto a questão sensível da possibilidade de, caso chegue a constituir-se partido, vir a juntar-se a outras forças para ter mais impacto nas urnas.
Por agora, o caminho do Juntos Podemos faz-se através de petições, de ações de despejo e outras lutas em torno de problemas concretos, e de audiências junto da população. No limite, o objetivo seria governar com políticas diferentes das atuais. Mas o caminho, a ser percorrido, não se adivinha fácil para a turma de Joana. “Temos a humildade de saber que não temos a varinha de condão e puff tudo se altera”, sublinha a psicóloga.