Bastaram 19 dias para fazerem história. Dormiram em tendas suspensas, com rochas e vegetação como vizinhos, descreveram tudo nas redes sociais, subiram, pararam, desanimaram, desabafaram, insistiram e venceram. Esta é a história de dois amigos que conseguiram subir ao topo de Dawn Wall (914 metros), uma rota da montanha El Capitan no Parque Nacional Yosemite, Califórnia, considerada a mais exigente do mundo. Talvez não seja mal pensado recordar que o edifício mais alto do mundo, o Burj Khalifa no Dubai, tem 828 metros altura…

Os senhores da moda da escalada são Kevin Jorgeson (30 anos) e Tommy Caldewell (36). Afinal, são os primeiros a praticar free climbing na Dawn Wall. Vamos por partes. O que é free climbing? Escalada sem o auxílio de cordas ou outros objetos. Ou seja, o equipamento que existe serve apenas para evitar acidentes e quedas, e nunca para ajudar a alcançar os céus — ver, por exemplo, o minuto 2:20 do vídeo em cima (o grito de Caldwell é elucidativo). Estas espécies de seguidores do Homem-Aranha contam apenas com as pontas dos dedos das mãos e dos pés para se colarem às fissuras e relevos da montanha. A aventura começou a 27 de dezembro, conta a BBC, e prolongou-se por 19 dias. Os dois amigos iam relatando tudo nas redes sociais e receberam bastante feedback.

“Ele escalava tudo o que podia. Deixou-nos nervosos cedo como pais, mas habituamo-nos”, contou à BBC Eric Jorgeson, o pai de Kevin. Juntos, começaram a escalar as paredes do Yosemite quando Kevin tinha apenas 15 anos, tornando-se numa tradição em dia de aniversário.

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Mas a glória prometeu não chegar. Feridas e mazelas obrigaram Jorgeson e Caldwell a parar uns dias, para a pele sarar. A dupla chegou, aliás, a recorrer a fita adesiva e cola para acelerar a coisa, quais MacGyver da escalada. Não houvesse cordas e…

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Concedamos a palavra a um dos génios da modalidade, Alex Honnold, que sobe montanhas com quase mil metros sem quaisquer cordas, como se pode ver aqui numa reportagem do “60 Minutos”. “O que faz o Dawn Wall tão especial é que é quase impossível [de escalar]”, disse o free-solo climber (é assim que se chama a loucura sem cordas) ao New York Times. “Os pontos mais complicados de Dawn Wall são mais difíceis do que alguma vez escalei”, assegurou Honnold, que é tido como a rock star da modalidade. Se calhar agora tem de partilhar o trono com estes dois senhores, pois ele nunca se aventurou por Dawn Wall.

A maratona, com adversidades mil a lembrar diariamente o poder da gravidade, teve momentos muito complicados, de pura desilusão, reflexão e combates interiores. “Por mais desapontante que seja, estou a aprender novos níveis de paciência, perseverança e desejo. Não vou desistir. Vou descansar. Vou tentar outa vez. Vou ter sucesso”, escreveu a determinada altura Jorgeson, nas redes sociais.

Mas o encontro com a glória chegaria, com as mãos gastas, marcadas pelo preço da história, 19 dias depois do primeiro metro escalado. Caldwell e Jorgeson, conta o National Geographic, tentaram, na última década, alcançar o topo da Dawn Wall em cinco ocasiões. Sempre sem sucesso. Numa delas, aliás, Jorgeson lesionou-se com gravidade depois de uma queda, que o deixaria KO por alguns meses. No Twitter, Jorgeson deixou claro que este feito, mais do que uma conquista, é o “realizar de um sonho”.

Para Caldwell a cantiga é outra. “Dawn Wall é o local perfeito para transmitir alguns dos valores mais importantes ao [ao filho] Fitz”, escreveu no Instagram, com uma fotografia de mostrava um abraço entre os dois. E quais são os valores? “Otimismo, perseverança, dedicação e a importância de sonhar em grande.” Et voilà: a muitos metros do chão abriram duas garrafas de champagne e inscreveram o nome na história.