A ministra da Administração Interna recusou-se hoje a especificar quais são as alterações legislativas que estão em cima da mesa no quadro da atualização da Estratégia Nacional de combate ao terrorismo, mas vão passar certamente por ajustamentos ao Código Penal. “Prefiro chamar-lhe afinamentos e não alterações”, disse Anabela Rodrigues aos jornalistas no final da ronda de encontros que decorreu esta manhã com as delegações dos vários partidos.

Questionada pelos jornalistas sobre se os “afinamentos” diziam respeito, por exemplo, a um reforço do controlo de fronteiras dos Estados, Anabela Rodrigues limitou-se a dizer que são mais na ótica do ajustamento do Código Penal e no “reforço do diálogo entre as forças de segurança”, do que ao nível de mudanças operacionais.

Permitir escutas aos serviços de informação não esteve em discussão, garantiu a ministra, porque para isso seria preciso uma revisão constitucional. Uma ideia a que, antes, o PSD já se tinha mostrado favorável. “A questão das escutas não está em cima da mesa”, começou por afirmar o vice-presidente do PSD Matos Correia, acrescentando que, “ao contrário do PS”, o PSD mantém-se favorável a essa alteração à lei, na medida em que a impossibilidade de os serviços de informação poderem fazer escutas os deixa impotentes e “numa situação muito vulnerável”.

Matos Correia lembrou mesmo que Portugal é o “único país da Europa que não pode dispor desse recurso”, e sublinhou que a questão já esteve em debate noutras ocasiões, mas o PS “recusou sempre”. A Estratégia Nacional de combate ao terrorismo foi aprovada ainda durante o período de governação de José Sócrates e não sofreu nenhuma alteração desde aí.

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De acordo com Matos Correia, a estratégia do Governo passa por incluir um quinto pilar fundamental aos quatro já existentes na abordagem europeia contra o terrorismo: a deteção, que se junta à prevenção, proteção, resposta e perseguição. Questionado sobre se podia dar alguns exemplos práticos de como pode funcionar a questão da deteção, o social-democrata limitou-se a apontar para a necessidade de haver uma “maior coordenação entre as várias forças de segurança”, assim como uma “real partilha de informação entre polícias e serviços de informação”, como acrescentou o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães.

CDS disponível para alterações ao espaço Schengen

Nuno Magalhães, que esteve reunido com o Governo em conjunto com a delegação social-democrata, acrescentou que as “pequenas alterações” à Estratégia Nacional de combate ao terrorismo só serão “eficazes” se forem adotadas ao nível da União Europeia, isto é, em coordenação com os restantes Estados-membros, e até mesmo com outros Estados fora da Europa, como é o caso dos EUA. Nesse contexto, afirmou que o CDS está disponível para debater alterações ao Acordo de Schengen, sobre a livre circulação de pessoas entre a UE. Mas não precisou quais, nem quando. “Esse é um debate que é importante ser feito”, disse.

Segundo o vice-presidente do PSD, a reunião com Anabela Rodrigues e Luís Marques Guedes permitiu apenas perceber a “perspetiva geral do que está em curso”, não precisando por isso quando está previsto pôr em prática as chamadas “alterações legislativas pontuais” sobre a matéria.

PS critica incumprimento da lei da política criminal

A delegação socialista que se reuniu esta manhã com o Governo mostrou-se disponível para apoiar uma atualização da estratégia anti-terrorismo, mas preferiu não falar nas “linhas genéricas” que estão a ser desenhadas pelo Governo, apontando antes o dedo para o facto de, segundo Jorge Lacão, não estar a ser cumprida a atual lei quadro de política criminal.

“Não basta apresentar propostas genéricas, é preciso concretizar as medidas e, primeiro, é necessário cumprir a lei quadro da criminalidade grave, já que Portugal não tem uma lei de execução da política criminal desde 2011”, criticou o socialista Jorge Lacão, que já tinha estado na semana passada reunido com o Governo para discutir a matéria do terrorismo.

Do lado do PCP e Bloco de Esquerda, que também já estiveram reunidos com os membros do Governo, foi dada a garantia de que ambos estão disponíveis para debater o quadro das leis anti-terrorismo, desde que não colidam com os “direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”. Segundo o líder parlamentar comunista, João Oliveira, no entanto, não deve haver “precipitação” de legislar, nomeadamente por parte da Europa, à luz dos acontecimentos recentes. Especialmente se a precipitação se basear em “discursos xenófobos ou racistas”.“A precipitação não é boa conselheira, é preciso garantir algum distanciamento nestas matérias”, disse, referindo-se aos atentados recentes em França e na Bélgica por parte de extremistas do Estado Islâmico.

“Não deve pagar o justo pelo pecador”, disse Pedro Filipe Soares, alertando para o facto de as leis anti-terrorismo não porem em causa dos direitos, liberdades e o respeito à privacidade dos cidadãos.

O mesmo sublinhou o bloquista Pedro Filipe Soares, que quis deixar uma “nota de tranquilidade”: “Portugal não está sob nenhum alerta e o Governo não está a responder perante nenhuma emergência”, disse, lembrando que as alterações à Estratégia Nacional de combate ao terrorismo já estavam previstas desde 2012.

Sobre o espaço Schengen, o Bloco de Esquerda manteve-se contra quaisquer alterações que “atentem contra a livre circulação”. “Não podemos entrar agora numa espiral de resposta momentânea aos acontecimentos que tiveram lugar nas últimas semanas e, com isso, atentar a um dos processos basilares da União Europeia, que foi o Espaço Schengen, a liberdade de circulação das pessoas”, disse. Também os Verdes reiteraram que “Portugal não pode cair numa onda securitária”, que pode ser aproveitada para “restringir direitos e liberdades”.

A ronda de conversações com os partidos políticos surge depois de, na semana passada, o Governo já se ter encontrado com o PS para debater a concretização das eventuais alterações legislativas de combate ao terrorismo. Segundo os vários partidos que já passaram pela sala onde se reuniram com o Governo, uma coisa é certa: o Executivo vai apresentar alterações “pontuais” à lei. Resta saber que alterações são essas e qual vai ser o calendário de execução. “Nesta fase, não nos foi dito nada em concreto”, sublinhou Pedro Filipe Soares, acrescentado que o Governo ainda está a “ultimar a sua estratégia”.