O Partido Socialista está contra a proposta de descentralização de competências para as autarquias, que está a ser negociada pelo Governo com alguns municípios, mas há autarcas socialistas que não recuam nas negociações. E há até quem já venha a público exigir respostas ao próprio partido sobre o tema.

“Não temos de nos preocupar com o caminho pré-eleições”, afirmou o presidente da Câmara de Águeda, Gil Nadais, esta manhã no Parlamento, deixando uma questão entre muitas afirmações sobre o assunto: “O que é que o Partido Socialista pensa sobre a descentralização de competências?”

A mesma pergunta, minutos mais tarde, repetida pelo socialista António Gomes Ferreira, coordenador do grupo de políticas e organizações educativas dinâmicas educacionais da Universidade Coimbra, que está a colaborar com um município social-democrata na discussão do projeto-piloto de descentralização de competências na área da educação. “O que o Partido Socialista pensa sobre isto?”. “Respostas até aqui”, prosseguiu o socialista, foram “zero”.

“Temos de dizer que não [ao modelo proposto pelo Executivo] por alguma razão”, atirou o professor, que deixou mais algumas perguntas no ar: “Como é que o PS vai trabalhar com os municípios que assinem estes contratos?”

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Mas as perguntas ficaram sem respostas concretas. Nesta conferência promovida pelo Partido Socialista para debater a transferência de competências na área da educação para as autarquias, a secretária nacional do PS responsável pelo poder local, Maria da Luz Rosinha, voltou a dizer que o “Partido Socialista não está de acordo com o atual modelo, nem com o calendário, nem com a forma como está a ser tratado” pelo Governo, embora esteja “absolutamente de acordo com a transferência de novas competências para as autarquias”. A dirigente socialista defendeu um debate mais alargado sobre o tema, “em que ninguém seja excluído”.

Contudo, e apesar desta posição do PS, que a ex-autarca já tinha dito ao Expresso que seria comunicada aos autarcas socialistas no decorrer desta semana, “nenhuma autarquia está dispensada de participar no debate, assim como ninguém será decapitado se o autarca socialista decidir avançar”, clarificou. E a avançar estão, segundo o Diário Económico, municípios socialistas, como Águeda, Castelo Branco e Abrantes, embora Celeste Simão, vereadora da Câmara de Abrantes, também presente no debate, tenha dito que “perante as condições não estamos disponíveis” para avançar, além de que “o timing não é oportuno”.

Do “timing” reclamaram também os restantes oradores no evento, dizendo que tudo está a ser “precipitado”. Foi o caso da deputada do partido socialista, Odete João, que criticou o modelo apresentado pelo Governo e colocou “uma linha vermelha nas competências técnico-pedagógicas e recrutamento de professores que não devem passar para as autarquias”. Lembre-se porém que a proposta que está a ser discutida com os autarcas não incluiu gestão de pessoal docente.

“A forma como o Governo está a querer implementar esta descentralização abrange áreas suscetíveis de criarem novas zonas de conflitualidade entre autarquias e escolas, esvaziando competências das escolas”, reforçou a deputada.

Questionada diretamente pelo Observador sobre o que defende então o PS como modelo de descentralização, Odete João limitou-se a dizer que essa matéria tem de ser discutida “amplamente”.

Susana Amador, da câmara de Odivelas, já tinha referido momentos antes que o decreto de 2008, que transfere uma série de competências para as autarquias até ao 3.º ciclo, “não deve ser alargado ao ensino secundário sem se analisar de forma profissional e rigorosa o que aconteceu”. Além disso, defendeu, a “gestão pedagógica e disciplinar devem permanecer nos agrupamentos”.

Já o socialista e antigo reitor da Universidade de Lisboa, António Sampaio da Nóvoa, voltou a defender a descentralização, levantando contudo dúvidas à forma como o Governo está a querer descentralizar competências. “O debate não pode ser feito com esta ligeireza, não pode ser só entre Governo e autarcas”, disse Sampaio da Nóvoa.

“Parece que estamos mais perante um processo e desconcentração do que de descentralização de competências”, acrescentou o socialista, criticando a “ausência total de referências à esfera dos professores”, apontando ainda para o risco de a descentralização “poder contribuir para mais desigualdades territoriais”. “A diversidade é absolutamente essencial. Outra coisa é a desigualdade”, rematou.

No passado sábado, o secretário-geral do PS, António Costa, também defendeu a regionalização do país, afirmando ser “necessário avançar na descentralização”, sem fazer qualquer comentário às propostas já apresentadas pelo Governo neste sentido. A defesa pela descentralização tem acompanhado de resto os discursos de António Costa ao longo dos últimos tempos e está plasmada na moção com a qual se apresentou ao Congresso (Uma Agenda para a Década).

Esta quinta-feira o Governo receberá a Associação Nacional de Dirigentes Escolares, a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas e o Conselho das Escolas para discutir esta matéria. E no próximo dia 13 de fevereiro o Governo levará o tema da descentralização ao Parlamento.