É um forte candidato aos Óscares e não há dúvida que está na mó de cima, com o apelido curioso a fazer furor e a chegar a diferentes setores da vida social, incluindo o da moda (faz pouco tempo foi criada uma marca de roupa que encontrou no ator a inspiração suprema). Porque todo o cuidado com as palavras é pouco, Benedict Cumberbatch cometeu, supostamente, um erro pelo qual está a ser julgado: numa entrevista a um canal de televisão norte-americano, Cumberbatch usou a expressão “atores de cor” (“coloured actors”, em inglês), um termo considerado “desatualizado” segundo o jornal britânico Independent.

O ator, muito conhecido por dar vida a um dos detetives ficcionais mais famosos do mundo, Sherlock Holmes, estava a falar a propósito das diferentes oportunidades de trabalho, considerando os mercados norte-americano e inglês, tendo em conta o tom de pele dos colegas de profissão. “Penso que para os atores de cor é muito diferente no Reino Unido e muitos dos meus amigos têm mais oportunidades aqui [nos Estados Unidos da América] do que no Reino Unido, e isso é algo que precisa de mudar”, argumentou no talk show apresentado por Tavis Smiley, emitido pelo canal PBS. “Algo está errado, não somos representativos o suficiente, na nossa cultura, tendo em conta as diferentes raças e isso [a mudança] precisa mesmo de acelerar”, acrescentou.

Apesar da iniciativa em abordar aquilo que pode ser visto como uma desigualdade social, o Twitter encheu-se de comentários que desaprovaram as declarações do ator. A instituição de caridade Show Racism The Red Card — apostada em combater o racismo e líder no Reino Unido — disse que, muito embora aplaudisse a mensagem de Cumberbatch, desaprovava o uso da expressão “de cor” e a conotação racial que lhe está associada. “Benedict Cumberbatch sublinhou um assunto muito importante na indústria do entretenimento e na sociedade”, disse um porta-voz da respetiva entidade ao Independent. “Ao fazê-lo, ele destacou inadvertidamente o assunto da terminologia apropriada e a evolução da língua”, continuou.

O certo é que o ator mostrou-se arrependido com o sucedido e, mais tarde, emitiu pedido de desculpas: “Estou devastado por ter causado ofensa ao usar uma terminologia desatualizada. (…) Não tenho desculpa por ter sido um idiota e sei que o estrago está feito”. Disse ainda, citado pelo Telegraph, que esperava que o incidente destacasse a necessidade do uso correto da terminologia. “O mais vergonhoso disto para mim é que eu estava a falar sobre desigualdade social nas artes do espetáculo no Reino Unido”, acrescentou.

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Entretanto, o ator e protagonista do filme “Selma”, David Oyelowo, veio em defesa de Benedict, explicando que este não é racista e que a controvérsia criada é “ridícula”. O ator que interpreta a personagem de Martin Luther King Jr. na referida longa-metragem falou à BBC Radio sobre o assunto, explicando que deu apoio a Benedict quando a polémica rebentou.

“Quando vemos o que ele estava realmente a dizer, é evidente que ele é um grande apoiante dos artistas negros. Atacá-lo por uma terminologia, por oposição ao que ele realmente estava a dizer, parece-me muito falso e é um indicativo dos tempos em que estamos a viver, onde as pessoas estão à procura de ruído [“soundbite” em inglês] em vez de substância”, argumentou. Ainda assim, Oyelowo é da opinião que Hollywood tem, de facto, um problema com a diversidade, mas prefere encarar a situação com otimismo: “A excelência é a melhor arma contra o preconceito. Tenho a intenção de fazer parte da solução e não do problema”.

 

Há um léxico para o racismo?

“Primeiro, a questão não é linguística porque não há palavras melhores ou piores, mais bonitas ou feias, preferenciais ou pejorativas. A conotação que associamos a uma determinada palavra é histórica e social. A intenção está, portanto, em quem profere as palavras e no contexto em que as profere”. Quem o diz é Susana Valdez, docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Especializada em tradução, explica ao Observador que o problema reside, então, no fato de se designar uma pessoa pela sua cor.

O termo “coloured”, que está no centro do debate a propósito das declarações de Cumberbatch, é considerado pejorativo por “ser uma tentativa de redução de uma identidade a uma questão física”, argumenta Susana Valdez. “Ainda que utilizado comummente na década de 1960 [tendo em conta o contexto britânico], tem como base uma ideologia racista de que os brancos são brancos e todos os outros são de cor. Assim, não assume que todos temos a nossa identidade única, agrupando as pessoas por categorias inadequadas e aparentemente homogéneas”, acrescenta.

O termo menos pejorativo, nos Estados Unidos e no Reino Unido, é “black”, enquanto “nigger” tem uma conotação muito mais racial. 

Em Portugal, o politicamente mais correto “black” equivale ao “negro”, enquanto o pejorativo “nigger” é o mesmo que “preto”.