Também há ciência no amor, ou vice-versa. Que o diga Arthur Aron, um dos autores de um questionário que tem feito furor nos últimos tempos na imprensa internacional e que aqui foi publicado em meados de janeiro. Vinte anos depois de terem visto a luz do dia, as 36 perguntas que têm o condão de fazer com que dois estranhos se apaixonem um pelo outro ganharam vida própria, motivo pelo qual falámos com o seu mentor.

Em entrevista ao Observador, Arthur Aron explica que estuda o amor desde que se apaixonou pela mulher, com quem está há mais de 40 anos, e como desenvolveu o guião para criar proximidade entre duas pessoas, sem que alguma vez equacionasse que estas se pudessem apaixonar. O assunto está na ordem do dia por culpa do The New York Times, jornal que publicou um artigo onde a sua autora se sujeitou à experiência e — imagine-se — apaixonou-se.

estudo do qual faz parte o tão cobiçado guião data de 1997 e as 36 perguntas dividem-se em três etapas que vão crescendo em intensidade. E como funciona a experiência nele descrita? Sentados frente a frente, os dois membros de um casal improvisado são convidados a responder às questões, revelando, assim, pormenores íntimos e pessoais; para concluir o processo, têm de olhar nos olhos um do outro durante quatro minutos, sempre em silêncio. O resultado final é variável — mas já houve mesmo quem se tivesse casado.

– O estudo que inclui as 36 perguntas está na ordem do dia. Fê-lo em coautoria há mais de 20 anos. Qual era o objetivo?
A ideia era criar uma sensação de proximidade, uma conexão entre duas pessoas, e não necessariamente um sentimento romântico. Se queremos compreender o comportamento humano, temos de perceber qual o papel da proximidade. Se trouxéssemos duas pessoas que eram próximas para o laboratório, tudo o que aprenderíamos com elas estaria misturado com a história da sua relação. [Escolher desconhecidos] permitiu-nos criar proximidade independentemente disso. Então, pudemos olhar para os efeitos da proximidade sem que a relação afetasse o processo. Pudemos também olhar para as circunstâncias que causam mais e menos proximidade e os tipos de pessoas que são mais prováveis de ficar mais e menos próximas.

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– Um dos testes piloto acabou em casamento. Ainda se recorda dele?
Não foi exatamente um teste piloto, foi antes uma versão anterior. Usámo-lo numa dissertação que estava a ser feita por um aluno sob a minha supervisão, na qual estávamos a tentar criar sentimentos românticos — mas não paixão. Estávamos a analisar os níveis de efeitos em pessoas com diferentes personalidades. Não o fizemos com a intenção de criar algo que pudesse ser usado no mundo.

Entrei em contacto com esse casal há 10 anos e eles ainda estavam juntos. Tinham um casamento muito feliz. Eles eram os dois assistentes de pesquisa no nosso laboratório e, na altura, não estavam a trabalhar neste projeto. E nós testámos [o guião] neles. Foi o nosso primeiro par. Não fazemos ideia se outras pessoas se continuaram a ver ou se acabaram juntas porque não lhes demos seguimento. Mas como estas pessoas trabalhavam no nosso laboratório, elas disseram-nos que se iam casar.

– Chegaram a convidá-lo para o casamento, não foi?
Sim, penso que foi esse o caso, não me lembro com precisão.

– O estudo foi feito em 1997. Passados 20 anos, as perguntas ainda são usadas. Se fizesse o questionário hoje, mudaria alguma coisa?
Nós ainda usamos o questionário. Há muitos estudos que foram feitos usando este procedimento. Temos feito pequenas mudanças. Num dos estudos mais recentes, publicado há mais de um mês, juntámos dois casais para fazer isto — casais que namoravam há muito tempo ou que estavam casados, mas que não se conheciam um ao outro. Como resultado, descobrimos que os casais entre si ficavam mais próximos e que o mesmo acontecia entre marido e mulher. Nessa situação tivemos de fazer algumas modificações na formulação das perguntas: em vez de “a outra pessoa” ter “cada uma das outras pessoas”. Outro exemplo de mudanças subtis que fizemos foi com polícias. Descobrimos cedo, quando estávamos a testar o guião em polícias, que tínhamos de desistir das perguntas sobre a morte por serem muito intensas para eles. Isto foi sobretudo desenhado para estudantes universitários, mas quando usámos as perguntas em polícias, ou noutros contextos, vimos que tínhamos de fazer algumas alterações.

– Alguma vez pensou que as perguntas poderiam ficar tão famosas?
Na verdade, estávamos com esperança disso. Não estávamos à espera que se tornassem populares nos média, mas antes que fossem úteis na comunidade científica. Esse era o nosso objetivo. Estou muito feliz que as pessoas tenham achado isto tão útil. Foram feitos estudos muito interessantes com as questões — agora compreendemos muito sobre as respostas hormonais e cerebrais. Mas o facto de as pessoas conhecerem as 36 perguntas pode ser um problema para nós, no sentido em que, ao fazer a experiência, elas já conheçam o que vamos perguntar. E nós queremos ter uma situação controlada.

– Faz ideia de quantos estudos usaram as 36 questões?
Há cerca de 200 estudos que citam este estudo. Não sei exatamente quantos usaram o método. O nosso próprio laboratório utilizou-as em cerca de 20 ou 30 estudos.

– Como foi a reação das pessoas depois de o artigo ser publicado no The New York Times?
Foi enorme. Antes disso houve um post no blogue do The Huffington Post, há cerca de um ano, em que alguém usou as questões com uma pessoa com quem estava envolvida. A sua autora escreveu-me antes de o artigo do Times ser publicado a dizer que na altura tiveram 1.4 milhões de hits. Já havia interesse antes, mas a peça do Times tornou-se mesmo viral.

– Porque é que acha que as pessoas gostam tanto de ler e de falar sobre amor?
O amor é parte da forma como nos ligamos a alguém. Se não tivéssemos um mecanismo que criasse fortes ligações, não sobreviveríamos enquanto espécie. Temos grandes cérebros, levamos pelo menos três a quatro anos a criar uma criança para que ela se desenrasque sozinha e é mais provável que ela vá sobreviver se tiver dois pais. A nossa espécie evoluiu no sentido em que deseja criar laços mais fortes para ficarmos juntos. Não é surpreendente que seja importante na vida das pessoas.

– No guião encontram-se várias perguntas relacionadas com a morte. Porquê?
Estão todas no final [do guião] porque queremos que as perguntas fiquem cada vez mais intensas. E não há nada mais intenso do que a morte. Quer dizer, há o amor. [risos] Mas não queremos isso misturado com o resto.

– Por falar em intensidade, as primeiras questões do guião são algo triviais. À medida que avançamos ficam mais intensas e, no final, há perguntas que nos convidam a falar bem da outra pessoa…
Uma das coisas que sabemos que acontece espontaneamente nas relações de amizade é que elas tendem a construir-se à medida que partilhamos coisas pessoais [o que, por norma, leva semanas ou meses]. Há algumas coisas que sabemos que criam proximidade: uma delas é acreditar que as pessoas têm coisas em comum, pelo que fazemos perguntas nesse sentido e não o contrário. Outro grande fator na proximidade é sentir que a outra pessoa gosta de nós, pelo que colocámos questões dessas depois de já se saber alguma coisa sobre o parceiro.

– Sabe se algum amigo ou conhecido seu já usou as questões?
Sim, eu próprio também experimentei. Eu e a minha mulher fomos jantar com um casal que não conhecíamos muito bem e fizemos as questões com eles. Isto aconteceu recentemente para estimular a amizade — tivemos uma noite fantástica –, mas também para potenciar a proximidade entre o casal em si. Recentemente, publicámos uns estudos que revelam que se se fizer isto com um parceiro estável, fica-se mais próximo dele e o casamento torna-se mais feliz. Se o fizer com outro casal, isso também aumenta a paixão entre marido e mulher.

– Sentiu mais paixão pela sua mulher nessa noite?
Sim. Uma das coisas sobre a qual fizemos muitos estudos é sobre o que podem os casais fazer para tornar a sua relação mais forte (casais que estejam juntos há um ou dois anos). Para reacender sentimentos de amor é preciso fazer coisas novas, entusiasmantes e apaixonadas com o parceiro. Não se pode usar estas questões vezes sem conta porque as respostas vão tornar-se rotineiras, mas é definitivamente algo que se pode fazer periodicamente com novos casais.
Regra geral, recomendo a qualquer pessoa que esteja numa relação há um ou dois anos, que tente fazer algo novo e diferente com o parceiro todas as semanas. Logo ao início, quando se cria uma relação, há muito entusiasmo. Depois de se estar junto há algum tempo as coisas podem tornar-se aborrecidas; aí é importante fazer com que a relação fique outra vez interessante.

– Já alguém o agradeceu por fazer este guião?
Oh yeah. Especialmente desde que isto foi publicado [no New York Times]. Recebi vários e-mails de pessoas que disseram que o fizeram com o parceiro e que foi maravilhoso. Uma pessoa enviou-me um e-mail a dizer que leu as minhas perguntas há duas semanas, fê-las com uma pessoa que mal conhecia e casou-se com ela ontem à noite [a entrevista a Arthur Aron foi feita a 2 de fevereiro]. Não tenho forma de confirmar a veracidade da história, mas fiquei surpreendido.

– Enquanto piscólogo, acha que um casal deve partilhar tanto num primeiro encontro?
Não sei. Normalmente não há nenhum objetivo romântico envolvido [no guião], as pessoas sabem que é um procedimento para ficarem mais próximas de alguém… Há sempre exceções, mas quase todas as pessoas se divertem a fazê-lo e quase todas ficam mais próximas umas das outras. Se sabemos que há um contexto romântico, isso pode mudar as coisas. É razoável pensar que se criaria proximidade nesse contexto, mas as pessoas podem estar muito assustadas, com medo de um romance que pode interferir com tudo. Mas se nos quisermos aproximar de alguém enquanto amigo, como por exemplo de um colega de trabalho, isto é uma coisa boa.

– Acha que as pessoas estão desesperadamente à procura de paixão?
Algumas pessoas sim. Mas estarmos apaixonados é também uma grande fonte de depressão e suicídio. Se nos apaixonarmos por alguém e essa pessoa nos rejeitar, isso é terrível. Acho que nos Estados Unidos da América é uma das maiores causas de depressão e de suicídio entre jovens. Apaixonarmo-nos nem sempre é uma coisa boa. Mas quando funciona, é uma experiência maravilhosa.

– Há alguma forma mais correta ou mais fácil de lidar com o amor?
Acho que, no geral, as pessoas que estão intensamente apaixonadas são felizes. Mas a paixão também é uma grande fonte de distração que pode interferir com as coisas. Não sei que conselho daria, mas é preciso ter em consideração que é diferente estar apaixonado do que começar uma relação. Pode-se estar apaixonado por uma pessoa e ainda assim decidir não casar com ela. O sinal mais importante de qualidade numa relação é a nossa própria ansiedade e segurança.

– Há quanto tempo está casado?
Estamos juntos há 40 anos.

– E há quantos anos estuda o amor?
Comecei a estudar o amor quando me apaixonei pela minha mulher. Era um tema sobre o qual não havia qualquer tipo de estudos. Na altura era um estudante de pós-graduação e a cultura da psicologia social é encontrar um tópico que não possa ser estudado cientificamente… e estudá-lo. Estava à procura de um tópico e apaixonei-me. Fiz a minha dissertação sobre o amor e tenho estudado o tema desde sempre.

– Estudar o amor ajudou a vossa relação?
Sim. Nós fazemos uso de todas as pesquisas — nossas e de outras pessoas. Porque não?