A empresa onde o primeiro-ministro, Passos Coelho, foi consultor e que está a ser investigada por corrupção vai ser alvo de um processo de recuperação, que já devia ter começado em 2013. Na origem do atraso está o pedido de impugnação de insolvência apresentado por um ex-funcionário, que acusou os gestores da empresa de terem provocado a situação de insolvência, criando uma segunda empresa com os mesmos funcionários e objetivos – a Tecnoforma II. Esta terça-feira foi dia de os credores, entre eles bancos, formadores e agências de viagens, votarem o plano sugerido pelo administrador de insolvência. A votação só termina daqui a dez dias.

Não foram os 124 credores, mas os que estiveram presentes foram suficientes para obrigar a mudar a assembleia de credores, marcada para as 10h00, para outra sala do Tribunal de Instrução Central, na secção do Comércio. E, mesmo assim, “foi à tangente”, como comentou a oficial de justiça.

Na sessão, iniciada com 40 minutos de atraso, o administrador de insolvência explicou que o plano de recuperação previsto estende-se por dez anos, a contar da data da sua homologação. “No plano é demonstrado que os ativos da empresa e os cursos que já lhe foram adjudicados” vão permitir pagar aos credores, disse. No portal do Governo para a contratação pública há três contratos celebrados já depois de a empresa ter sido considerada insolvente, num total que ronda os 30 mil euros. A Tecnoforma é uma empresa virada para serviços de formação e consultoria.

Seguiram-se as dúvidas dos credores: o pagamento será mensal? Serão pagos juros pelos dois anos de atraso no início do plano? É possível, dado o atraso, reduzir o período de carência? Houve quem fosse mais longe e considerasse o plano “inexequível”. O administrador pôs um travão na discussão e lembrou que o plano está já a ser adaptado por começar quase “um par de anos” depois.

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“Para suprimir estes dois anos, pagaremos juros de acordo com a tesouraria da empresa”, disse, mas alertou: “ou pagamos agora os dois últimos anos e não se faz plano de recuperação, ou não pagamos e vamos avançar com este plano”.

Dos credores presentes, quatro pediram para votar por escrito. Barclays, BIC, Novo Banco e BCP têm, então, dez dias para votar. Pelo menos 18 credores presentes, a quem é devido dinheiro, votaram a favor do plano. O Banif votou contra e o Banco Popular absteve-se.

Os administradores da Tecnoforma pediram insolvência da empresa em 2012, dois anos depois de terem criado a “Tecnoforma II”. De acordo com os autos do processo, que o Observador já consultou, a empresa onde o primeiro-ministro foi consultor – e alvo de polémica por causa de alegados dinheiros não declarados quando Passos Coelho era deputado – ficou a dever 2,4 mil milhões de euros. Mas a Tecnoforma só reconheceu 1,33 milhões de dívidas.

Entre os credores há mais bancos está o banco de Ricardo Salgado. O valor em dívida passou para o Novo Banco. Há, também, organismos públicos, várias agências de viagens, uma sociedade de advogados e diversos formadores.

A Tecnoforma faturou 5,6 milhões de euros em 2009, 3,1 milhões no ano seguinte e um valor semelhante em 2011. Ainda sim considerou-se incapaz de proceder a vários pagamentos. E, na petição inicial, explicou porquê:

“A Tecnoforma é uma empresa com futuro, mas está a sofrer indiretamente as consequências da falta de pagamento dos seus clientes e na redução drástica motivada pela atual conjuntura económica nacional e europeia. (…) [Pretende] recorrer ao processo de insolvência para reestruturar-se”.

Em 2013 a Tecnoforma começou a ser investigada, no âmbito de um processo-crime, por suspeitas de corrupção. Ao que o Observador apurou junto de fonte judicial, o processo continua em fase de inquérito e em “segredo de justiça”.