Quando fala para investidores ou cidadãos estrangeiros, o secretário-geral do PS, António Costa adapta as palavras à assistência. Ou a culpa é da Europa, ou o país está melhor ou, afinal, a culpa é de todos: da Europa ao Governo. Foi o que fez nos últimos dias perante chineses, espanhóis ou empresários de topo.

Só neste mês de fevereiro, Costa discursou num comício do PSOE, em Badajoz, perante representantes da Liga de Chineses em Portugal e, mais recentemente, perante altos quadros de empresas nacionais e estrangeiras, em Cascais. Nas duas últimas, um ponto em comum: um tom menos de campanha, afastando a imagem de um PS mais colado ao Syriza.

Comício do PSOE: “Não devemos renunciar aos nossos valores em nome do euro”

Ao lado do seu homólogo espanhol, Pedro Sanchez, António Costa discursou num comício do PSOE em Badajoz no início do mês, dia 7 de fevereiro. Sobre o Governo português, nada disse, aproveitando mais para criticar a Europa e enaltecer o projeto comum que os socialistas portugueses e espanhóis partilham.

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Duro nas palavras, Costa defendeu que “a austeridade está a matar o projeto político que é a Europa” e criticou os grandes países.

Temos orgulho de ter no bolso uma moeda comum mas não foi o euro que fez a Europa, mas a cultura, o modelo social europeu, os valores. São os nossos valores que o euro tem que servir e não renunciarmos aos valores em nome de uma moeda. É isso que está em causa hoje”, afirmou, arrancando aplausos da plateia. “O euro tem que dar resultados positivos para todos e não pode contribuir para o desenvolvimento de cinco países e dificultar o crescimento dos outros”, disse, num discurso de cerca de 18 minutos.

Elogiando, ainda assim, o plano Juncker, a nova interpretação das regras do PEC e as decisões do BCE, Costa defendeu que os socialistas europeus têm que lutar por mais mudanças e que essas podem começar por acontecer primeiro, em outubro, em Portugal e, em novembro, em Espanha, referindo-se às eleições legislativas.

Costa evocou mesmo os Descobrimentos para dizer que se deve “olhar para o futuro com a mesma confiança com que nos séc. XV e XVI portugueses e espanhóis olharam para o desafio das Descobertas”.

Em concreto, defendeu apenas a construção da linha ferroviária de mercadorias Sines-Badajoz.

Liga dos Chineses: “Portugal está hoje bastante diferente”

No dia 19 de fevereiro, António Costa participou nas celebrações do Ano Novo Chinês, na Póvoa do Varzim, organizadas há 17 anos pela Liga dos Chineses em Portugal. A cerimónia de mais de duas horas foi transmitida pela primeira vez pelo canal CCTV e, num breve discurso de três minutos, o autarca de Lisboa e líder do PS declarou que, “em Portugal, os amigos são para as ocasiões, e numa ocasião difícil em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os investidores chineses disseram ‘presente’, vieram, e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar na situação em que está hoje, bastante diferente daquela em que estava há quatro anos”.

Sem críticas ao Governo, agradeceu à comunidade chinesa por investir em Portugal e considerou que o maior investimento nos últimos anos da crise foi possível graças “à forma extraordinária como os chineses se integraram em Portugal”. Na ocasião, o deputado do PS, Vitalino Canas, que faz parte do Grupo de Amizade Parlamentar Portugal-China também discursou, tendo destacado como “muito importante” o “fluxo de investimento” feito pelos chineses no país.

O discurso do líder, que está disponível na íntegra aqui, tornou-se polémico, levou ao pedido de desfiliação do fundador do PS, Alfredo Barroso, e obrigou Costa a vir a público por duas vezes para justificar aquelas declarações. Primeiro, para dizer que iria contextualizá-las em conversa pessoal que gostaria de ter com Barroso. Segundo, para dizer que é preciso “dar uma mensagem de confiança aos investidores estrangeiros” porque, “para diminuir a confiança, já chega o Governo”.

Fonte oficial do PS disse, por seu turno, deu à Lusa outra justificação: Costa, por “sentido de Estado”, não fala mal do país perante cidadãos estrangeiros.

Lisbon Summit: Crítica à “austeridade expansionista”

Num hotel de Cascais no âmbito da conferência Lisbon Summit, organizada pela revista britânica The Economist, o secretário-geral dos socialistas criticou a “austeridade expansionista” e defendeu um programa de recuperação económica e social para enfrentar o “bloqueio” em que se encontra o país, Costa apelou a que Portugal não deixe que a “a verdade minta e distraia do que ainda falta fazer”. Ou seja, a crise ainda não acabou, apesar de os juros da dívida terem descido.

O líder socialista procurou transmitir aos gestores de topo do mundo empresarial que as políticas que têm sido aplicadas pelo atual Governo “destruíram mais do que transformaram”, atrasando dessa forma “a modernização”, o “investimento” e a “competitividade da economia numa sociedade decente, de trabalho digno e prosperidade partilhada”.

E nesse sentido, Costa pediu uma mudança de longo prazo – lembrando a sua Agenda para a Década – que passe por uma “nova agenda europeia e uma nova agenda interna”, a dois tempos. Primeiro com a “urgente recuperação” da economia e da confiança, e depois com um programa de “fisioterapia” para consolidar a recuperação. “Depois de uma cirurgia é necessário um programa de fisioterapia, que permita reconstituir o músculo e recuperar a autonomia dos movimentos”, disse no dia 23, concretizando que, “no nosso caso, é urgente criar músculo empresarial e recuperar emprego”. O discurso pode ser lido na íntegra no anexo.

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