Portugal fez o que devia nestes primeiros quatro anos de ajustamento, diz António Horta Osório, numa entrevista ao Observador: “Portugal tinha um enorme desafio à frente nessa altura, devido a um conjunto de políticas erradas e a um enorme endividamento que o país foi acumulando ao longo de décadas (quer em termos de empresas, das famílias, quer do Estado). E infelizmente não havia alternativa às políticas – no sentido de que as pessoas tinham que viver progressivamente dentro das suas posses. Podia-se questionar a intensidade das políticas, ou o mix das políticas, mas não se podia questionar a direção.”

Assim sendo, o balanço que o banqueiro faz – o maior banqueiro português, hoje à frente do britânico Lloyds Bank – é positivo. “O nosso caso é muito mais comparável com o da Irlanda. A sociedade compreendeu os problemas que o país tinha e fez um enorme sacrifício. E tornou-se muito credível no estrangeiro.” Em Londres, pelo mundo, diz que o melhor sinal disso é que já quase não ouve falar de Portugal. Lembra também que o risco de Portugal baixou “extraordinariamente” e que isso não foi sequer abalado pelo que se passou na PT e no BES.

A questão que mais se tem colocado em Portugal merece-lhe uma resposta direta. Portugal está melhor e os portugueses pior? É assim?

Os portugueses, em geral, vivem pior do que há quatro ou cinco anos. O que resulta do país, como um todo, ter começado a reduzir o peso da dívida e o défice que temos a cada ano. O país vai na direção correta, porque nós temos que viver dentro das nossas possibilidades, mas isso, no período de ajustamento que eu disse no início que seria longo e difícil, significa viver pior no presente – porque as pessoas têm que gastar menos e poupar mais. É importante que que os nossos dirigentes entendam isso. Deve-se pensar que virão melhores dias, mas sobretudo que estávamos a viver uma ilusão.

Para o banqueiro, a receita da austeridade só pode, assim, ser julgada pelo grau em que foi aplicada. Mas o que o preocupa agora é o que vem pelo caminho: “Devemos manter esse esforço, porque uma reputação leva muito tempo a fazer-se e pode-se desfazer em meia hora.”

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Sem alguma vez falar das eleições legislativas, mas com elas presentes no horizonte, Horta Osório deixa uma dúvida. E uma certeza que quer deixar vincada:

“Imagine que nós tentávamos voltar a gastar para dinamizar a economia e isso não resultava. O que é que iríamos fazer? Austeridade ao quadrado? Nós não podemos ir num caminho sem saída.”

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Dois riscos: Grécia e Rússia

Pelo caminho, a “economia aberta” do país tem que contar com dois riscos “muito relevantes”, alerta Horta Osório, nesta entrevista ao Observador. Fator número um: “O enorme risco da Ucrânia, da Rússia e o perigo de isso tudo explodir”. Fator número dois: “Ver se a Grécia resolve aproximar-se da Europa. A Grécia vai ficar sem dinheiro nas próximas semanas, portanto o assunto é sério.

A avaliação do risco não passa sem uma análise mais detalhada – e não se vê nela um ceticismo tão grande quanto nas notícias do dia-a-dia. O banqueiro defende, por exemplo, que qualquer solução para a situação grega tem que passar pela “solidariedade entre os membros” da União Europeia. E pela negociação, com contrapartidas para ambas as partes:

Os gregos elegeram um Governo que quer acabar com a austeridade, mas a Alemanha tem também um Governo que não quer dar essa ajuda sem qualquer contrapartida. Os alemães têm todo o direito de não querer pagar o fim da austeridade grega achando que os gregos podem não querer estar no projeto europeu. A solução lógica — e eu penso que os alemães estão dispostos a isto — passa por dar mais tempo ou baixar os juros da assistência à Grécia. Mas os gregos têm que se comprometer em fazer as reformas adequadas para viverem, eles também, dentro das suas possibilidades.

Uma coisa parece certa, diz. O que estiver a ser negociado para a Grécia vai ter olhos postos em Espanha. É que vêm aí eleições no país vizinho e o Podemos aparece no topo das sondagens.

Um empurrão da economia mundial

Se estes são os riscos externos, também há fatores que o presidente do Lloyds destaca como positivos para a evolução do país no curto/médio prazo. Razões para “olhar para as estrelas, com os pés no chão”, seguindo as suas palavras.

Horta Osório fala, por exemplo, do novo programa de compra de dívida lançado pelo BCE – Quantitative Easing, seguindo a terminologia técnica.

Este programa criou a expectativa de termos juros muito baratos durante muito tempo, o que é bom para nós, porque temos um país muito endividado. As famílias vão pagar menos pela hipoteca, as empresas também, a República – para além da credibilização, também está a pagar menos pelos seus empréstimos com a descida dos juros. E facilita muito as exportações.

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Menos juros, mais exportações. E mais o quê? “Os Estados Unidos subirão, tudo indica, as taxas de juro entre junho e julho, o que significa a normalização dos juros em 25% da economia mundial. A Inglaterra deverá subir os juros depois. A Europa está um pouco atrasada, mas o euro a baixar e o preço do petróleo – que baixou muito -, podem puxar a Europa”, admite o banqueiro. “Especialmente Portugal”, acrescenta.

Mas nem tudo são rosas, neste novo cenário da economia mundial. Mesmo o programa do BCE tem, para Horta Osório, “os dois lados da mesma moeda”.

“É positivo no sentido da confiança que dá aos mercados e economias de que há mais dinheiro barato. Ele ser passado ou não para a economia real é outro aspeto: eu teria ligado mais o Quantitative Easing (QE) com objetivos claros dos bancos para emprestarem às pequenas e médias empresas, tal como se fez em Inglaterra. Percebo que na Europa isso seja difícil porque há muitos países, a eficácia é mais difícil, mas a eficácia na economia real do QE vai depender de em que medida os bancos vão passar parte desse dinheiro barato para as empresas. Como diriam os ingleses, ‘to be seen'”.

Há mais consequências negativas – duas – deste plano lançado por Mario Draghi. “As pessoas que têm poupanças, os pensionistas que têm planos de pensões, recebem juros muito mais baixos, porque as taxas são muito mais baixas; e cria-se uma exuberância financeira que tenho muitas dúvidas que seja benéfica se continuar muito tempo. Porque estas exuberâncias acabam por terminar sempre mal”.

Era bom, acrescenta, “passarmos rapidamente a uma situação normal” – ou seja, de estabilização da economia e, logo depois, dos juros baixos servidos pelo banco central.

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A recuperação do Lloyds

Em Londres, a prioridade de Horta Osório é a recuperação do Lloyds, banco que lidera desde 2011 e que comandou por marés difíceis. “Em março de 2011, o Loyds estava à beira de ter que pedir segundo resgate e a meses de uma enorme crise financeira. Requereu um esforço muito muito grande. Ao fim de quatro anos parece que tudo correu bem, mas houve enormes dificuldades.”

Segredos do sucesso? “Conseguir ler bem o meio envolvente, tentar adivinhar o caminho do futuro; ter uma noção clara dos pontos fortes e fracos da empresa; e criar uma organização de alto rendimento. Ter uma equipa excecional, escolher as melhores pessoas em termos de caráter e valores, os melhores para os lugares, mas também conseguir que trabalhem bem em equipa – e correr mais depressa do que os concorrentes.”

Há poucas semanas chegou-lhe, entretanto, um convite de David Cameron, primeiro-ministro britânico. “Por intermédio de alguém, perguntou-me se eu estaria disponível para concorrer a um de três potenciais cargos. E eu respondi que estava claramente disposto a ajudar a sociedade inglesa e que, de caras, a que me entusiasmava mais era o Wallace Colection, que é um museu pequeno, entregue ao Estado, de altíssima qualidade e que se foca sobretudo na arte francesa.”

É o seu mais recente desafio: arranjar financiamento para um museu no centro de Londres que, tal como acontece por cá, tem cada vez mais cortes do Estado. “Foi um prazer dizer que sim”, diz o banqueiro.