A ideia, como tantas outras, tinha o seu quê de maluquice. Ou de loucura, como admite Jorge Cristóvão, sabedor, aos 53 anos, de que talvez o corpo e as pernas não se importassem de o verem desistir desta intenção. Já andava “praticamente todos os dias” em cima de uma bicicleta, a pedalar e a acumular quilómetros, mas daí a ir de Lisboa a Baku, capital do Azerbaijão, ia uma longa distância. Tão grande quanto a tal loucura de pensar em percorrê-la a dar à perna e com duas rodas a transportarem-no. Ninguém se espantaria, portanto, se Jorge ficasse descansado em casa: “Mas se não saísse ficava com aquele bichinho a morder-me: será que era capaz?”

Mesmo com “alguma apreensão”, é isso que vai descobrir — Jorge Cristóvão vai percorrer os cerca de 6.800 quilómetros para, durante 60 dias, ir da capital portuguesa à azeri, onde se realizará a primeira edição dos Jogos Europeus, uma espécie de Olimpíadas só com atletas do mesmo continente. Foi ele, um “aventureiro desta coisa da bicicleta”, a lembrar-se de pegar na bandeira portuguesa e levá-la até Baku. Apresentou a ideia, o Comité Olímpico de Portugal (COP) gostou, aceitou a proposta e, com o tempo, arranjou maneira de alterar um pouco o plano.

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Porque o objetivo, na cabeça de Jorge, era ir até ao Azerbaijão com a própria bicicleta, normal, movida à força do combustível dos músculos das pernas do hoje coronel da reserva militar. “Depois surgiu a ideia da bicicleta elétrica. E aí disse ‘epá, vamos então, que isso vai ser uma grande ajuda, pois vão ser 60 dias constantemente a pedalar e com distâncias sempre superiores a 100 quilómetros”, explicou, sem nunca tapar o sorriso que, durante a conversa com o Observador, fez companhia ao bigode que tem na cara.

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Por isso a BMW entrou nas costas e deu a Jorge uma bicicleta que atinge os 25 km/h, pesa 22 quilos e tem uma autonomia a rondar os 100 quilómetros. “Quem é aficionado por bicicleta sabe como eram as chocolateiras de antigamente. Têm evoluído que nem nos passa pela cabeça. [Hoje] são ultraleves e têm os materiais mais resistentes, aligeiraram muito as bicicletas”, analisa, ao falar de “grande ajuda” que impulsionará cada pedalada que der.

A viagem arranca a 10 de abril e conta chegar a Baku a 10 de junho, Dia de Portugal. Serão dois meses a pedalar, todos os dias, só com direito a 48 horas de descanso pelo meio. A aventura passará por terras como Madrid, Barcelona, Nice, Roma, Salónica ou Tbilissi, tudo está mais ou menos definido. “A flexibilidade que pode haver é a dificuldade em marcar as dormidas, os hotéis e as residenciais onde vamos ficar, o que pode alterar um bocadinho o trajeto”, explica Jorge Cristóvão, antes de indicar o que realmente mais o preocupa: a Turquia. “É um país imenso, vou demorar cerca de 15 dias para o atravessar, com alguma montanha pelo meio. Vai ser uma odisseia complicada”, anteviu.

Jorge Cristóvão em cima da bicicleta e ao lado do carro que o acompanhará até Baku. Foto: Comité Olímpico de Portugal

Jorge Cristóvão em cima da bicicleta e ao lado do carro que o acompanhará até Baku. Foto: Comité Olímpico de Portugal

Jorge e a bicicleta, porém, não vão percorrer tanto alcatrão sem companhia. “Vou ter um carro de apoio para levar alguns mantimentos e peças de substituição, para não ir tão carregado nem sozinho. Senão teria de levar a minha tendinha e tudo carregado aí nuns alforges”, diz, enquanto gira a cabeça e aponta-a para a bicicleta, a tal, que tem estacionada atrás da cadeira. Mas nos 100, 110 ou 120 quilómetros que, por dia, espera percorrer, o militar, mesmo perseguido por um carro, estará sozinho e entregue à própria cabeça. “O ciclismo, como prática solitária, é o topo. [O ciclista] está sozinho, sem ninguém a apoiá-lo, está ali a dar o litro e tem de se espremer a ele próprio. Gosto muito de futebol, é a modalidade rainha, mas nesta não temos o apoio de colegas e exige muito do psicológico do indivíduo”, argumenta.

É isso que tem feito, de forma mais séria, desde 1995, quando começou a participar “nas maratonas de fim de semana” e a nelas percorrer 70 ou 80 quilómetros. Depois vieram as outras, as mais duras, que o convencera a, por exemplo, ir a pedalar da Serra da Estrela a Évora, a fazer a Maratona dos Andes (cordilheira na América do Sul) ou os Caminhos de Santiago, que ligam o norte de Espanha a França.

Hoje já é mais costume do que ousadia Jorge Cristóvão sair de casa, em Alenquer, e ir pedalar uns 100 quilómetros e estar “cinco ou seis horas sozinho” na Serra Galega ou até à Ericeira. Agora o objetivo é terminar a próxima aventura em Baku. E para regressar a Lisboa, conseguiria voltar a pedalar? “Seria um enjoo muito grande. Já era capaz de dizer que não.”