O INE deu esta quinta-feira a conhecer os números do défice para 2014, mas a dúvida instalou-se sobre qual é o valor que conta. Se a autoridade estatística, que é quem apura oficialmente estes números, diz que o valor do défice foi de 4,5% do PIB, os valores que o Governo tem referido diferem: o ministro da Presidência, Luís Marques Guedes, falou ontem em 3,7%, enquanto a ministra das Finanças fala em 3,4%.

Maria Luís Albuquerque foi esta sexta-feira à comissão parlamentar de orçamento e finanças para uma audição regular sobre a política do Ministério que lidera. Se boa parte do tempo foi passada a discutir as responsabilidades (ou a falta delas) políticas em torno da lista VIP, na sua introdução inicial a governante referiu um valor do défice melhor que os valores dados pelo INE e que surpreendeu alguns dos presentes.

“Os dados ontem divulgados pelo INE comprovam que o limite para o défice orçamental em 2014 foi cumprido – e foi cumprido com margem. Excluindo todas as operações de caráter pontual – como sejam a reclassificação da dívida da STCP e CARRIS no âmbito do processo de restruturação financeira destas empresas, entre outras – o défice orçamental de 2014 fixou-se em 3,4% do PIB. Este é o verdadeiro ponto de partida para o exercício de 2015, e é melhor do que o valor previsto no Orçamento do Estado para 2015”, disse Maria Luís Albuquerque na sua intervenção inicial.

O número gerou alguma perplexidade entre os presentes considerando não só o valor divulgado esta quinta-feira pelo INE, mas também o usado por membros do Governo quando comentaram os números.

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Para o INE e para o Eurostat, as autoridades estatísticas responsáveis pelos cálculos e que dão os números oficiais, o défice de 2014 foi de 4,5% do PIB, ou 7.822,3 milhões de euros. Este valor inclui tudo, para já, como as operações consideradas não recorrentes, como os empréstimos à Carris e à STCP, ou as imparidades resultantes do BPN Crédito.

O INE fez também cálculos para quanto valem as operações não recorrentes, ou seja, que aconteceram em 2014 mas que não se repetem em 2015 e nos anos seguintes. O valor do défice sem os 1490 milhões de euros seria de 6.332,3 milhões de euros, ou o equivalente a 3,66% do PIB, que com os normais arredondamentos sobre para os 3,7% do PIB que foram usados por Marques Guedes esta quinta-feira na conferência de imprensa que se seguiu à reunião semanal do Conselho de Ministros.

“O objetivo que tinha sido determinado era de 4%, ficámos com 3,7%, o que tem um efeito de arranque para 2015 bastante mais positivo do que aquele que à partida se contava, o que torna bastante mais realista ainda a meta do Governo”, disse Luís Marques Guedes.

Hoje, foi a vez de Maria Luís Albuquerque falar num outro número: 3,4% do PIB. O valor do défice, como teve de explicar no final da audição, retira as mesmas operações não recorrentes que o INE calcula para chegar aos 3,7%, mas inclui ainda mais impactos que a autoridade estatística não considera da mesma forma, como é o caso do impacto do chamado ‘supercrédito’, como disse a ministra, e o impacto das rescisões por mútuo acordo, como se pode ler no relatório do Orçamento do Estado para 2015, apresentado em outubro passado.

“Há medidas one-off que têm um efeito estatístico, há outras que têm a ver com a execução, mas que não têm carry-over, ou seja esgotam-se no ano”, explicou a ministra das Finanças.

Mas afinal, qual é o número que conta?

Oficialmente, o défice orçamental no ano passado foi de 4,5%, o valor apurado pelo INE. Este valor tem operações extraordinárias incluídas, mas estas, ao abrigo das regras, aconteceram, logo têm de ser registadas.

Para a troika e para a meta que foi acordada posteriormente com Bruxelas, o défice que conta são os 3,7% sem operações extraordinárias. Esta foi uma característica comum ao longo do programa de ajustamento. No memorando técnico, todos os anos, dizia-se que as operações extraordinárias não seriam contabilizadas para reduzir o défice mas foram sempre sendo permitidas, como foi o caso da transferência parcial de 15 fundos de pensões da banca para a Segurança Social que permitiu baixar o défice de 2011.

Já para o Governo, diz a ministra, contam os 3,4%, que, entende, é o número do seu ponto de partida para caminhar para a redução do défice para os 2,7% do PIB este ano, com que o Governo se comprometeu no Orçamento do Estado para este ano (este valor é superior em duas décimas ao que foi acordado com o Conselho Europeu, que mesmo depois da comunicação do Governo não mudou esta meta).

Novo Banco pode levar défice aos 7,3%

A comunicação de quinta-feira foi a primeira do INE com este valor e é ainda provisória. Naturalmente, ainda haveria margem para algumas revisões, que podem sempre ser feitas para trás mais tarde.

No entanto, este ano existe uma incógnita maior: o Novo Banco.

O INE e o Eurostat ainda não chegaram a um acordo sobre como será registado o valor do empréstimo do Fundo de Resolução para a capitalização do Novo Banco (4,9 mil milhões de euros), criado no início de agosto na sequência da resolução do BES.

As regras ditam que se o Novo Banco for vendido num prazo inferior a um ano, o Estado terá apenas de registar no seu défice orçamental (de 2014 neste caso) as perdas com a venda, ou seja, a diferença entre o valor emprestado e o que vai receber em troca.

No entanto, caso a venda não aconteça nesse prazo limite, a totalidade do empréstimo é registada no défice de 2014, o que fará com que o défice orçamental suba para valores superiores a 7,3%.