Agora foi a vez de a União Geral de Trabalhadores (UGT) reagir às declarações de Luciana Passo, presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação (SNPVAC): o Observador teve acesso ao dosser da central sindical onde estão compiladas as conversações entre as duas entidades, referentes às questão relacionadas com a privatização da TAP e com as greves que surgiram em consequência desse processo.

Na nota de imprensa enviada pela UGT em setembro de 2013, a central sindical solidarizou-se com o SNPVAC e relembrou que “a questão fundamental que originou esta situação está relacionada com a redução do número de tripulantes de cabine a mínimos de segurança”, o que desrespeita o Acordo de Empresa estabelecido para a TAP. Nesse documento, é expresso um número mínimo de tripulantes de cabine para cada avião, para que possa haver serviço de refeição. A redução desse número é justificada com os cortes orçamentais. Na altura, a UGT considerou este argumento “inaceitável”.

Pouco menos de um ano mais tarde, a TAP envia a sua contribuição para o documento da Política Reivindicativa da UGT 2015: a companhia aérea defende nesse momento que esta empresa não pode ser abordada da mesma forma que todas as outras, por estar em franco crescimento e com uma relação saudável com o estrangeiro. No mesmo email, enviado por Rui Carvalho, o SPNVAC opina que o assunto das privatizações tinha sido pouco discutido pelas organizações sindicais: “não somos adeptos de maneira nenhuma da privatização total do Grupo TAP e esperamos sinceramente que o Governo tenha aprendido com a última falhada tentativa”, clarifica.

Mas no documento da Política Reivindicativa da UGT, publicado em setembro de 2014, a central sindical escreve que reitera ainda a “oposição aos processos que possam conduzir ao desmantelamento de empresas em funções de critérios meramente financeiros (…). A UGT deve manifestar a sua oposição a processos como os da TAP ou dos CTT, em que tais preocupações não foram devidamente salvaguardadas”. Para a UGT, está em causa o interesse estratégico nacional. Nos últimos tópicos, que resumem o documento, pode ler-se: “Defender a manutenção/ negociação das convenções coletivas nas empresas em processo de abertura à iniciativa privada dos respetivos serviços públicos”.

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Esta posição é sublinhada de novo na resolução entre o Sindicato Nacional e a UGT, aprovada por unanimidade: a central sindical diz que “continuará a bater-se contra uma eventual privatização da TAP que não defenda o seu papel enquanto companhia de bandeira”.

Perante as dificuldades em fazer valer as suas motivações, o SPNVAC pediu apoio à União Geral de Trabalhadores para lutar contra as privatizações e pelo cumprimento do Acordo de Empresa. Dois dias depois do requerimento, a UGT emitiu um comunicado que manifesta esse apoio e que prevê uma greve de quatro dias na TAP, nos dias 30 de outubro, 1 e 2 de novembro e 2 de dezembro. O aviso justifica-se com a opinião de que os associados “não podem tolerar mais que se continue a violar continua e reiteradamente as regras laborais básicas estabelecidas no Acordo de Empresa vigente celebrado entre TAP e SNPVAC”. E adianta que a greve merecia todo o apoio da central sindical.

A fim de dialogar sobre a luta contra a questão da TAP, o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação solicitou uma reunião com a UGT em nome dos sindicatos da Plataforma Sindical. A reunião ficou marcada para 16 de dezembro. Nesse mesmo dia, o SNPVAC informou o secretário-geral da UGT de que não podia comparecer ao encontro “por motivos inadiáveis”.

E no mesmo dia, o presidente do SNPVAC, Rui Carvalho, apresentou a sua demissão. Conforme se pode ler no documento enviado por ele, os motivos por trás da sua decisão passam pelo incumprimento do Acordo de Empresa e por considerar que o sindicato foi exposto “a um processo de privatização do grupo TAP, ao qual éramos totalmente alheios, não podendo fazer valer os nossos direitos e a defesa dos tripulantes”.

Segundo Rui Carvalho, uma reunião da Plataforma Sindical, que aconteceu no dia anterior ao encontro marcado com a UGT, resultou num pré-aviso de greve entre 27 e 30 de dezembro, para realizar um memorando “que incluísse um clausulado de defesa dos direitos dos trabalhadores do Grupo TAP, com o objetivo de discutir a sua integração no clausulado do futuro caderno de encargos do processo de privatização”. Embora todos os membros da Plataforma tenham aceitado o documento final, a direção do SNPVAC não concordou com o memorando, “nem com qualquer abertura negociar que não incluísse uma suspensão, pura e simples, do processo de privatização do grupo TAP”.

Entretanto, o Governo havia tomado a decisão de avançar com uma requisição civil, na sequência da greve na companhia aérea portuguesa. A UGT expressou num comunicado lançado a 18 de dezembro que considerava a ação “abusiva” porque constitui “uma pressão ilegítima sobre os sindicatos que decretaram a greve”. Ainda neste dia, o SNPVAC justifica a saída da Plataforma Sindical com a falta de comunicação entre os membros da direção que impediu “apresentar e discutir outras soluções”. Mas realçou: “somos contra esta privatização, sustentados, agora e cada vez mais, na aceitação da nossa posição pela sociedade civil”.

Ainda na sequência da requisição civil, a UGT admitiu estar a ponderar a apresentação de uma queixa à Organização Internacional do Trabalho, alegando que essa decisão constitui uma violação do direito de greve.

A greve consumou-se. Enquanto alguns trabalhadores desmarcaram folgas para estarem presentes e faltarem propositadamente, nem todos os membros associados ao SNPVAC participaram nela, nomeadamente os trabalhadores afetos à UGT. Segundo a agência Lusa, este sindicato enviou cartas aos membros associados que não aderiram à greve, pedindo-lhes que analisassem os seus valores. “Não se conformando os mesmos com os fins e princípios acima referidos deverá, em consciência, apresentar a sua demissão de associado”, pode ler-se na carta.

Na altura, Luciana Passo já era a nova presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação e afirmou que aquela carta “não era uma pistola apontada à cabeça de ninguém”, mas apenas um “alerta”. Entretanto, o SNPVAC solicitou uma reunião com a UGT depois da criação do movimento “Não TAP os olhos”. Em resposta ao sindicato, a UGT disse não interferir em questões setoriais da responsabilidade e da área de intervenção dos sindicatos, para não lhes retirar independência nem autonomia. Mas sublinhou que está ciente do processo pelo qual os trabalhadores da TAP estavam a passar.

O SNPVAC não recebeu bem a resposta da UGT e admitiu à central sindical que considera que esta “tem-se demitido das suas responsabilidades como parceiro social”, porque demonstra não ter a questão da TAP como prioridade.

Começou aqui o mal-estar entre as duas entidades. A UGT respondeu dizendo que recebeu “com estranheza” as queixas do SNPVAC, já que se havia solidarizado com com todas as greves e que “tem mantido (…) total disponibilidade para os contactos institucionais, formais e/ou informais, com as suas organizações filiadas”. Mais do que isso, a UGT considerou que quem se divorciou das suas responsabilidades foi o sindicato, por não ter participado nas reuniões do ano passado. E afirma que o SNPVAC não terá solicitado qualquer intervenção da central sindical, embora a mesma se encontre “de braços abertos” para o diálogo.

Estas afirmações não atenuaram a posição do SNPVAC, que reafirmaram lamentar “o teor, a postura e as acusações infundadas”, bem como “a falta de respeito institucional”. Na mesma resposta enviada à UGT, o sindicato informou que, por decisão da direção, “se encontram suspensas quaisquer contribuições à vossa Central Sindical”.

A UGT respondeu com uma proposta de reunião para “aprofundamento do diálogo”, a acontecer a 19 de fevereiro, 2 de março ou numa outra data que fosse da conveniência do SNPVAC. A reunião nunca chegou a acontecer, mas a UGT continuou a afirmar o seu desacordo quanto à privatização da TAP.

Perante a iminência da desfiliação do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação da UGT, o sindicato marcou um referendo, justificado por “não tolerar medidas de discriminação negativa e silenciosa” e porque a carta enviada pela UGT é “ofensiva e fere a dignidade de todos os associados. A União Geral de Trabalhadores reagiu: disse que, apesar da legitimidade do referendo, não aceita que o nome do secretário-geral tenha sido usado de modo “abusivo e desleal” e que não pode ser usado para justificar “a inabilidade e incompetência de uma direção é uma atitude que demonstra má fé”. Mas “a mentira é ligeira e tem perna curta”.

O referendo terminou com a decisão da saída do SNPVC da UGT, com 84% dos membros do sindicato a favor da desfiliação. Perante estes resultados, Carlos Silva chamou apelidou a direção do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação de “vaidosa, mentirosa e birrenta”, porque o sindicato terá tentado por os sindicatos em desacordo. Luciana Passo respondeu às ofensas lembrando que o mal-estar entre as duas entidades já durava “há muitos anos”, não trazendo vantagens para nenhuma das partes.