António Costa já tem na mão o estudo que pediu a vários economistas sobre as medidas a aplicar pelo próximo Governo. O documento tem mais de 70 páginas (embora esteja a ser sintetizado), analisa o impacto de quase 30 blocos de medidas, muitas deles desdobráveis, e pretende ser uma proposta coerente de ação económica para a próxima legislatura. “Se eu tivesse que lhe dar um nome, chamar-lhe-ia ‘Há uma alternativa'”, diz ao Observador um dos 11 especialistas que preparou o documento.

O trabalho foi feito em coordenação permanente com outro grupo de trabalho que está a trabalhar no Largo do Rato, liderado por João Tiago Silveira, e que está a fazer o programa eleitoral que Costa levará a eleições. Para não se perder tempo a analisar propostas que o PS não tenciona lá pôr, houve elementos comuns nos dois grupos e permanente troca de informação. O processo vai continuar assim: depois de ser apresentado o estudo dos economistas, todas as medidas que estiverem a ser incluídas no programa vão ser analisadas pelos economistas, usando o mesmo modelo, para que as contas fiquem seguras e possam ser assumidas pelo líder, confirmou o Observador junto de duas fontes envolvidas no processo.

O documento é, afinal, o quê?

O que os economistas entregaram a Costa foi uma estratégia económica para o país, que pretende apostar no crescimento e virar a página da estratégia de consolidação assente em medidas restritivas. “Partimos de um cenário central muito próximo do da comissão Europeia”, uma projeção de como vão evoluir os principais indicadores económicos do país, “e fomos depois para um cenário diferente”, diz um dos participantes no grupo de trabalho.

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Mas plano é esse, então? Um dos economistas diz que se trata de um plano de revitalização da economia, com várias medidas identificadas que, nos vários setores – dos impostos, à Educação, por exemplo – podem ajudar a mudar o modelo. Houve medidas que caíram, muitas que ficaram, sempre cruzadas com o PS, que ainda assim é livre de deixar cair o que entender até junho, quando o programa final for apresentado.

“Vemos o impacto de cada medida, cada reforma, analisamos as consequências no orçamento – quer na receita, quer na despesa -, mas também no crescimento, no desemprego.” Umas medidas são claramente promotoras do crescimento, explica a mesma fonte, outras mais para o equilíbrio orçamental”.

“Há medidas de todo o tipo: umas com grande impacto orçamental, outras sem nenhum relevante”, anota outra fonte.

Em concreto, sabe-se já que está na lista medidas como a descida do IVA da restauração para os 13% e que vai incorporar promessas do líder como a reposição dos cortes de salários e pensões, um programa de reabilitação urbana, a reposição da cláusula travão no IMI e a criação de um novo apoio social para as crianças desfavorecidas. Tudo isto no plano de uma legislatura, identificando depois o ritmo a que tudo será feito.

Flexibilidade, precisa-se – diz o PS

A questão chave passa a ser esta: o plano traçado cumpre ou não as regras definidas pelo Tratado Orçamental da União Europeia? A resposta não é direta. Um dos economistas diz que “99% das propostas cumprem objetivamente”, mas “há uma medida – a mais importante – que exige flexibilidade. Não que não cumpra o défice estrutural, mas porque só tem efeitos no médio prazo”. Que medida chave é essa, ninguém diz. Apenas que se trata de “uma reforma estrutural”.

A questão do cumprimento do Tratado merece resposta (apenas) ligeiramente diferente de outra fonte ouvida pelo Observador. “Sim, mas será sempre numa interpretação inteligente do Tratado. Não será para cumprir na interpretação maximalista, mas mais de acordo com o que já estão a fazer França e Itália, que têm forçado uma interpretação mais flexível. Cumpre-se, nesse sentido”.

A questão é, porém, é se as novas regras da Comissão Europeia aplicadas hoje a França e Itália, que não estão sob vigilância pós-programa, podem ser aplicadas da mesma forma a Portugal. Costa tem dito que é essa a sua interpretação, o Governo de Passos tem dito que não. Pelo sim, pelo não, Costa tem percorrido algumas capitais europeias, para medir o pulso ao que será possível fazer no futuro. Já esteve com Hollande e Renzi, na segunda-feira vai à Alemanha ter com Sigmar Gabriel, vice-chanceler alemão – líder do SPD, também da família política socialista.

Os economistas e o calendário de Costa

São onze economistas escolhidos por António Costa para preparar a sua estratégia económica, tendo à cabeça o diretor-adjunto do gabinete de estudos do Banco de Portugal, Mário Centeno. Paulo Trigo Pereira, professor de Finanças Públicas no ISEG, Francisca Guedes de Oliveira, da Católica do Porto, Manuel Caldeira Cabral (próximo do PS, da Universidade do Minho) e João Leão, do ISCTE.

Entre os militantes socialistas, contam-se os ex-ministros Vieira da Silva e Elisa Ferreira, o deputado João Galamba, dois ex-secretários de Estado – Rocha Andrade e João Nuno Mendes, mas ainda o ex-conselheiro económico de José Sócrates, Vítor Escária, e Sérgio Ávila, responsável pelas finanças no Governo Regional dos Açores, com Carlos César.

Com a versão final nas mãos – já limpa e sintetizada -, Costa poderá apresentá-la (pelo menos parcialmente) na próxima semana. O programa eleitoral será depois mostrado a 6 de junho, numa convenção nacional do PS, prometeu já António Costa.