O responsável da Assistência Médica Internacional (AMI) falava à Lusa a propósito do anúncio quarta-feira da Organização Mundial da Saúde (OMS) da criação de um novo organismo que irá integrar equipas médicas devidamente qualificadas em todo o mundo prontas para intervir em caso de emergências graves, tais como epidemias, terremotos e tsunamis.

Em declarações à Lusa, Fernando Nobre considerou que “só há uma maneira de intervir para que as agências humanitárias possam fazer o seu trabalho de forma eficaz, coerente e com equidade junto das populações: é que seja imposto um ciclo de segurança”, o que pressupõe a “adoção de novas estratégias” para permitir que as mesmas operem em zonas de conflito.

“Hoje, para uma agência humanitária como a AMI entrar pela Síria adentro para tentar atuar em território sob controlo do (grupo) Estado Islâmico é ser puramente suicidário, já não é ser temerário”, afirmou o médico, assinalando que atualmente “a questão da segurança dos agentes humanitários está no primeiro nível das prioridades para todas as instituições”.

“Hoje, o que tolhe completamente a nossa intervenção não são as epidemias e a questão dos desastres ligados às alterações climáticas que vai acontecendo cada vez mais frequentemente e com maior violência. O que está a coartar a nossa intervenção são exatamente os conflitos ditos atípicos com entidades completamente fora do controlo”, situações que, de resto, “só podem ser ultrapassadas com o controlo destes grupos”, acrescentou.

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De acordo com o presidente da AMI, “os movimentos humanitários estão totalmente impedidos de intervir porque, ao interceder em países como o Quénia, Somália, no Mali, onde os próprios grupos humanitários são alvos preferenciais, já não é ser temerário, é ser puramente louco”.

“Essas instituições são vistas como parte integrante de um mundo que esses movimentos de pura barbaridade e sem o mínimo respeito pela vida humana, não aceitam”, por isso, “é suicidário tentar atuar lá, porque vão ser imediatamente mortos a tiro ou degolados”, disse.

“É preciso que nestas situações a comunidade internacional, sob mandato das Nações Unidas, tenha coragem, vontade, determinação e ousadia para pôr termo a estas situações, para que não aconteça o mesmo que se passou há 20 anos no Ruanda”, onde houve um genocídio, em 1994, alertou.

Questionado pela Lusa se a atuação de grupos armados de cariz religioso, e não só, como o Estado Islâmico, no Médio, Oriente, bem como o Boko Haram e al-Shebab, em África, está a retrair os voluntários para as agências humanitárias, Fernando Nobre respondeu: “absolutamente, sim”.

“Está a retrair, porque somos temerários. Ninguém avança para uma intervenção se sabe que tem 100% de hipóteses de ser degolado, só sendo mesmo louco. Eles (grupos armados) veem-nos como parte de uma sociedade que as odeiam, as hostilizam e que as querem destruir. E nós somos apenas uma parte desta sociedade que eles não toleram”, frisou.

De acordo com o assistente humanitário, atualmente há zonas em que as intervenções diretas das agências são “complementadas vedadas”, por isso, a sua intervenção deve ser feita clandestinamente, por intermédio de instituições locais, como, de resto, já aconteceu no passado.

“Eu sou daqueles que na minha vida humanitária já entrou clandestinamente para desenvolver missões humanitárias — no Chade, em 1981, em Beirute (1982), no fim da guerra do Irão-Iraque (1981), mas nós não éramos procurados para sermos assassinados. Hoje, somos alvo preferenciais para sermos capturados e executados, e ai há que ter a máxima prudência, evidentemente”, concluiu Fernando Nobre.