Nenhum deles costuma dar tempo para o músculo se colar ao corpo. São todos magrinhos, muito, e têm os braços finos devido ao tempo que, como uma balança viciada, não lhes dão descanso e, por contraste, se dedicam à corrida. Porque há vezes esse tempo chega às 30, 40 ou 50 horas. E não é uma corrida qualquer: é uma em que vão colocando “um pé à frente do outro” no meio de montanhas, serras, árvores e tudo o que não seja coberto por alcatrão. Mas para Armando Teixeira, Ester Alves e Miguel Reis e Silva, isto é tão simples como “escolher um trilho” que gostem e deixarem-se “perder na montanha”.

Os dois primeiros, sobretudo eles, são viciados nisso. Em quê? No Trail Running, uma modalidade que pede a quem a pratica que corra no meio da natureza, entre terra, lama, pedras e riachos — Carlos Sá, por exemplo, também a pratica e está hoje a competir na Maratona das Areias. É por ela que Armando e Ester dão corda às pernas e insistem em queimar até mais não a energia que têm no corpo. Porque tanto um, como outro, sabem o que é correr assim, sem parar, durante mais de 100 quilómetros. “Andamos sempre nos limites”, confessa Armando, sem um pingo de lamento. “Isso também faz parte da evolução. Começas a conhecer-te melhor, a saber reagir quando estás mal, a arranjar maneiras de manipular as dores momentâneas que aparecem”, acrescenta, depois, enquanto conversa com o Observador.

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É ele o manager da equipa Salomon Suuto Portugal. Tem 40 anos, mas só há sete deixou de torcer o nariz e as pernas à corrida. Armando não gostava, mesmo nada. Preferia o ténis ou o futebol de salão, mas bastou-lhe experimentar. “Também se aprende a gostar de correr. Vai muito mais além da componente física e mental, também é uma questão social. A solidão na montanha é boa. Tornei-me numa pessoa diferente. Deixei de ser tão materialista e egoísta, comecei a ser mais tolerante comigo mesmo e com os outros. São coisas que se aprendem com a montanha e o espírito do trail”, explica. Hoje, por isso, Armando tem mais de atleta do que de técnico de laboratório de alta tensão, trabalho que também divide as atenções dos seus dias.

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Ester Alves é diferente. É mais nova (34 anos), é aluna de doutoramento da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e desporto praticado a sério sempre foi coisa sua. Em 2002 já estava na seleção nacional de remo e, em 2009, andava nos Mundiais de ciclismo. Dois anos passaram até dizer que sim a um convite de amigo e tentar a sorte num Ultra Trail, logo numa corrida com três dígitos na distância a percorrer. Gostou e não mais parou. “O ir para a montanha, para quem gosta de desafios, dos trilhos, da paisagem e do estar na natureza, surge tudo muito naturalmente. Não é preciso aquele esforço de estar sempre a sofrer imenso. Quem o faz é por gosto e fá-lo durante muitas horas”, garante, sorridente a cada argumento que tem para dar a favor do Trail Running.

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Há momentos e paisagens, muitos, que Ester já viveu e não esquece. Como Miguel Reis e Silva, o mais novo e, para já, mais tímido nas distâncias. O médico que pratica em Lisboa, por enquanto, fica-se pelas maratonas, as de 42 quilómetros, mas sempre com a natureza a servir-lhe de companhia. “Estar sozinho, sem muitas pessoas à minha volta, após um dia inteiro a lidar com elas. Normalmente não há muitas no meio da natureza. Gosto muito mais da beleza dos espaços naturais do que da beleza construída pelo homem. Uma montanha é mais bela do que a Torre Eiffel, por exemplo”, revela. O objetivo, garante, é desfrutar de tudo e vê as medalhas como um acrescento que vai surgindo pelo caminho.

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Todos querem chegar a velhinhos e continuar a correr. O objetivo é esse. E se tivessem de convencer alguém a fazer-se à montanha com eles? Fácil, dizem. “Só tinha de calçar umas sapatilhas e seguir-nos”, resume Armando. Vai uma corridinha?