Em 2002, foi exibido numa das secções paralelas do Festival de Berlim, o documentário “Texas”, co-realizado por Russell Crowe. Era o registo de uma série de concertos dados pela banda de rock do actor, 30 Odd Foot of Grunts (ou TOFOG, para os admiradores), em Austin, no Texas em 2001, e a sua exibição deu origem a uma das mais insólitas  situações já vividas na Berlinale. Depois da projecção num cinema apinhado, Crowe subiu ao palco para dizer algumas palavras sobre a fita, e foi bombardeado com roupa interior feminina por um grupo de fãs histéricas, tendo uma delas tentado obter o autógrafo do intérprete de “Gladiador” no seu “soutien”. O acontecimento foi mais memorável do que o banalíssimo documentário.

Uma dúzia de anos depois, Russell Crowe engrossou a já longa lista de actores que passaram também a ser realizadores, com a longa-metragem “A Promessa de Uma Vida.” Desta vez, não houve “lingerie” feminina pelos ares nas projecções. Estreado na Austrália e na Nova Zelândia no Natal do ano passado, o filme transformou-se no recordista de bilheteira australiano de 2014 em apenas uma semana, e ganhou três prémios do Australian Film Institute, os Óscares locais, entre os quais o de Melhor Fime, partilhado com o excelente filme de terror “O Senhor Babadook”, de Jennifer Kent, já exibido em Portugal.

“Trailer” de “A Promessa de uma Vida”

A ideia original de Crowe para a sua estreia como realizador era fazer um filme biográfico sobre o iconoclasta e libertário cómico norte-americano Bill Hicks, que morreu de cancro em 1994, com apenas 32 anos, mas o projecto foi por água abaixo por falta de financiadores. O actor foi então abordado pelos argumentistas Andrew Knight e Oscar Anastasios, que lhe passaram um “script” baseado num livro co-autorado por este e baseado numa história verídica, a de um fazendeiro australiano que perdeu os três filhos na sangrenta campanha de Gallipoli, na Turquia, durante a I Guerra Mundial, e que depois do conflito, foi tentar encontrar os corpos deles no campo de batalha.

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Russell Crowe gostou da história – já bastante romanceada na sua forma de argumento -, e como este ano se assinalam os 100 anos do desembarque aliado em Gallipoli (será no próximo dia 25), “The Water Diviner” (título original de “A Promessa de uma Vida”) serviria também de homenagem patriótica aos mais de dez mil soldados australianos e neozelandeses tombados em Gallipoli, entre Abril de 1915 e Janeiro de 1916. Os mortos aliados passaram os 55 mil, tendo os turcos sofrido um número semelhante de baixas.

Australianos e neozelandeses já então não morriam de amores pelos ingleses, e depois do desastre de Gallipoli, que dizimou os soldados da força expedicionária dos dois países, os ANZACS, o sentimento anti-inglês tornou-se ainda mais fundo e intenso nos dois países. (Winston Churchill, então Primeiro Lorde do Almirantado, foi o grande responsável por esta campanha e pelo seu trágico desfecho frente aos turcos, pelo que acabaria por se demitir do posto).

https://youtu.be/8dj8mQ6cgR8

Documentário sobre o desastre de Gallipoli

Não é para admirar que “A Promessa de uma Vida” dê uma imagem tão simpática dos turcos como antipática dos ingleses. Ambos estão a participar num levantamento do campo de batalha, para tentar detectar e identificar o maior número de mortos possível dos dois lados, e a personagem do fazendeiro e vedor interpretada por Crowe só encontra obstáculos da parte dos militares ingleses na sua tentativa de encontrar os corpos dos três filhos e confirmar que morreram todos em combate. São os turcos, na pessoa de um oficial que combateu em Gallipoli, e de um sargento, ambos envolvidos nos trabalhos de levantamento, que acabam por ajudar o devastado pai.

https://youtu.be/LEsSVLl_VRU

Entrevista com Russell Crowe

Com “A Promessa de uma Vida”, Russell Crowe quis “antes de mais e acima de tudo, contar uma boa história”, como disse numa entrevista à revista “Empire”. O actor mostra que aprendeu algumas coisas quando foi dirigido por realizadores como Ridley Scott, Michael Mann ou Peter Weir. O filme tem uma inegável robustez cinematográfica, Crowe soube rodear-se de bons colaboradores, caso do director de fotografia Andrew Lesnie (“O Senhor dos Anéis”, O Hobbit”) e quer pela sua interpretação, quer pelo tom que começa por assumir, o realizador estreante e actor parece não querer lançar mão do sentimentalismo de tostão a dúzia.

https://youtu.be/JWPXEN8Ral8

Na rodagem de “A Promessa de uma Vida”

No entanto, os clichés, a estenografia emocional e a previsibilidade acabam por tomar conta da fita, através do inevitável romance entre a personagem de Crowe e uma viúva turca interpretada pela ex-“Bond Girl” Olga Kurylenko (que até tem um filho bonzinho que se agarra ao australiano como se ele fosse o seu pai substituto, e um cunhado prepotente e velhaco…), das sequências de acção para agitar as águas da narrativa, e de um final inverosímil e a mata-cavalos.

Mesmo assim, “A Promessa de uma Vida” não deixa de ser um esforço apreciável por parte de Russell Crowe, pelo que é de lhe dar o benefício de uma segunda realização antes de tirarmos conclusões definitivas.