Texto de Fernando Peixeiro (Lusa)

A cada semana entram em Ceuta de 25 a 30 imigrantes ilegais, um número que se mantém constante, mas que agora é “mais visível”, segundo a Cruz Vermelha de Espanha no enclave do norte de África.

E é “uma imigração brutal” que tem as suas raízes no fim da cooperação internacional, devido à crise, diz Germinal Castillo, responsável pela comunicação da Cruz Vermelha em Ceuta e voluntário da Equipa de Resposta Imediata em Emergência e que por isso todas as semanas se cruza com casos de imigração.

E garante: “imigração e problema são antagonistas. A imigração não é um problema, os migrantes existem desde que existe o ser humano, é um fenómeno e como tal deve de ser observado e entendido“.

E se há para ele uma evidência que todos deviam de entender é a de que “ninguém deixa a sua casa, a sua família, a sua vida, para ir para milhares de quilómetros só porque sim, só por um capricho, por uma perversidade”.

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“Fala-se de imigração, fala-se de avalanche, fala-se de assalto, fala-se de imigrantes. Não se fala de seres humanos”, acrescenta Germinal, para quem é evidente também que se “desumaniza a questão porque é mais fácil”. É mais fácil, exemplifica, dizer que morreram 800 imigrantes e não 800 seres humanos.

É essa a mensagem que tenta passar quando fala para os jovens, nas escolas, ainda que em Ceuta os imigrantes que chegam à cidade sejam bem tolerados e compreendidos. “São boa gente, só querem viver em paz”, diz à Lusa Manoel, taxista em Ceuta.

Na Equipa de Resposta Imediata, atendendo muitos deles à chegada, Germinal tem a mesma ideia. “A nossa miséria é um luxo para eles, que direito temos de os bloquear?”, questiona, de lágrimas nos olhos quando recorda os que acolhe no mar, o abraço que recebe, a cara de felicidade de quem conseguiu.

E questiona mais: “Porque assumimos como normal que as pessoas morram de fome? Como podemos pensar que as pessoas estão em zonas de guerra e que não querem sair? Nós já passámos por isso na Europa. Ninguém sobe a um barco que naufraga por gosto”.

Os que chegam são quase sempre homens. Por estes dias dizem todos que são da Guiné-Conacri, mas Germinal desconfia. São encaminhados para um centro de apoio temporário onde aprendem o espanhol e são acompanhados psicologicamente. “Entram em Ceuta mas não saem. Ficam eufóricos, mas ao fim de três dias vão-se abaixo”, conta.

No centro chegam a ficar meses, mas não são recambiados. O tempo que lá ficam, os critérios para irem para outros centros diz Germinal que isso já é com o Governo, ele apenas é mobilizado no primeiro momento, pela Polícia, pela Guarda Nacional, pelas equipas de Salvamento Marítimo e de Vigilância Costeira.

Para ajudar os que chegam a Ceuta, quatro ou cinco em barcos de brinquedo, os chamados “toys”, enfiados em fundos falsos de carro, saltando o muro que separa a cidade espanhola de Marrocos.

Entre o Mediterrâneo e as escarpas abruptas de Marrocos a oeste, Ceuta está “protegida”, mas mesmo assim tem ainda uma dupla vedação e nalguns sítios uma vala que a separa do resto de África. Não há pontos de fuga e a cerca entra mesmo mar dentro, com câmaras de vigilância e constantes patrulhas da guarda nacional.

Do lado de Marrocos outra frente, outra fronteira para não os deixar passar. Por tudo isso, pelas escarpas, as cercas lá estão quase sempre sem grande atividade, tirando as câmaras, sempre apontadas, e as patrulhas da guarda a não deixar que ninguém se aproxime sequer.

Nas montanhas marroquinas juntam-se por vezes os imigrantes, organizam-se, correm às centenas para a dupla vedação, alta e encimada por arame farpado. No ano passado morreram 15. Há menos de uma semana um ficou cinco horas entre as duas cercas e acabou de novo do lado marroquino.

Há em Ceuta um debate jurídico sobre a legalidade de recambiar esses imigrantes, como há em Melilla, também território espanhol e onde as tentativas de saltar o muro são muito mais frequentes. As montanhas e as correntes do estreito de Gibraltar lá estão a evitar a chegada de mais gente.

E mais mortes. Germinal Castillo franze o sobrolho. Quando se morre às centenas no mediterrâneo não é de um problema que se trata, é de uma tragédia humanitária que se deve de falar.

“O que temos de começar a ver é que são seres humanos que estão a tentar chegar. Muitas vezes esquecemo-nos disso, dessa noção de ser humano, para criar outro tipo de vocabulário que mascara a realidade.”