Usam telemóveis mesmo antes de aprender a andar ou a falar. Sim, é verdade. Um terço dos bebés com menos de um ano de idade já utiliza dispositivos eletrónicos. E por altura do primeiro aniversário, uma em cada sete crianças usa-os durante mais de uma hora por dia.

Estes são os resultados de estudo que foi apresentado no Encontro Anual das Sociedades Académicas Pediátricas em San Diego, Estados Unidos, e desenvolvido Centro Médico Einstein. O objetivo era determinar a idade em que as crianças começam a utilizar telemóveis e dispositivos eletrónicos. Para tal, observaram bebés entre os seis meses e os quatro anos e os respetivos pais. As famílias foram estudadas num hospital pediátrico central na Filadélfia que serve uma zona urbana onde vive uma comunidade com baixos rendimentos.

O questionário entregue a 370 pais era composto por vinte perguntas que pretendiam descobrir que dispositivos existiam em casa, com que idade as crianças começavam a manuseá-los, a frequência com que o faziam, a que tipo de outras atividades se dedicavam e se os pediatras conheciam essa forma de passatempo.

O cruzamento destes dados desvendou que 60% dos pais deixava as crianças a brincar com os telemóveis ou tablets enquanto trabalhavam e executam pequenas tarefas. Três em cada quatro pais permitiam que os filhos o fizessem enquanto se ocupavam das lides domésticas. E que 29% dos pais colocavam as crianças a brincar com esses dispositivos para que elas adormecessem. A maioria dos pediatras não conheciam estes hábitos da família, diz ainda o estudo.

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A atração pelas apps para bebés

Ao Washington Post, Hilda Kabalí – uma das autoras do estudo – disse ter ficado surpreendida com os dados. “Alguns dos bebés com menos de seis meses usam estes objetos por mais de trinta minutos”. A mesma cientista explicou que este hábito pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças.

E a responsabilidade não está apenas nos “pais preguiçosos” que preferem distrair desta forma os filhos, mas também nas promessas das aplicações para bebés que já existem para os smartphones, alerta Susan Linn, diretora da Campanha para uma Infância Livre de Anúncios Comerciais. “Além de persuadir os pais a gastar dinheiro em produtos inúteis, os produtos de marketing para bebés que servem para aprender números e letras” nos smartphones e tablets “sugerem uma mensagem preocupante e potencialmente prejudicial aos pais sobre a aprendizagem”, afirma.

A Academia Americana de Pediatria já tinha desaconselhado a utilização da televisão, computador, telemóveis e tablets por crianças com menos de dois anos, recorda o Daily Mail. Até porque um estudo anterior havia provado que uma hora de televisão por dia pode também desenvolver problemas de obesidade quando as crianças chegam aos cinco anos.

Crianças obesas e alheadas

O problema que não é exclusivo dos americanos. Das 11 mil crianças que estavam nos jardins de infância britânicos entre 2011 e 2012, mais de metade tinha excesso de peso e 73% estava em risco de sofrer de obesidade infantil. O The Guardian noticiou que as autoridades de saúde pública inglesas alertaram para os problemas de depressão e ansiedade que podem vir do tempo que as crianças passam em frente aos dispositivos eletrónicos.

As preocupações vão mais longe: um estudo publicado em outubro do ano passado pela Elsevier acompanhou um grupo de crianças que passaram cinco dias numa colónia de férias sem acesso a televisão, telemóveis ou qualquer outro dispositivo eletrónico e descobriu que as capacidades de compreender a informação não verbal – pela análise da expressão alheia – aumentou. “Tornaram-se mais humanos”, chegou a escrever Yalda Uhls, uma das autoras do estudo.

Estes dados indicam que a inteligência emocional – capacidade de reconhecer emoções em nós próprios e nos outros – pode ficar em perigo com a utilização abusiva de produtos tecnológicos. De acordo com as declarações do especialista Daniel Goleman ao Huffington Post, quanto mais tempo uma criança passa com gadgets, menos conectado está com a realidade e menor se torna a inteligência emocional dela. Tudo porque se perde a capacidade de introspeção, de autoconhecimento.

Substituir o contacto humano

Em crianças mais velhas, na fase de pré-adolescência, esses conceitos ganham expressão nas redes sociais, em vez de acontecer no contacto direto com os outros. E os outros, no caso das crianças, são essencialmente os pais. Rahul Briggs, diretora dos Serviços de Saúde do Comportamento Pediátrico no Grupo Médico de Montefiore, concluiu ao Yahoo Pareting que “a interação, mesmo que seja apenas através de sorrisos, encoraja o cérebro a desenvolver a ajuda um laço seguro com os pais”.

Ao mesmo jornal, a fundadora da Criança Proativa, Sharon Silver, disse que “se os pais utilizam a tecnologia para acalmar os filhos enquanto são novos, eles estão a substituir o contacto humano com os pais, necessário para criar empatia, compaixão, relação e a sensação de pertencer ao mundo real”.

O melhor era mesmo que os pais deixassem de expor aos filhos aos monitores que existem por casa. Mas isso não parece ser tarefa fácil: o estudo apresentado no encontro anual de pediatras americanos afirma que 97% das famílias tem televisão em casa, 83% dos pais tem tablet e mais de três quartos têm smartphones. Uma combinação bombástica que, segundo o The New York Times, põe bebés de dois anos a utilizar estes dispositivos.

Mas há outro fator que tem posto as crianças a utilizar estes dispositivos: é cada vez mais fácil e intuitivo operar num telemóvel ou computador. E prova disso são as estatísticas apresentadas no encontro anual: mais de metade das crianças estudadas segue programas de televisão, 36% mexe nos monitores com naturalidade e 24% consegue telefonar a alguém sozinho.