Quando iniciou a corrida à Casa Branca, Barack Obama dizia ‘Yes we can’ (Sim, nós podemos) e fazia a plateia repetir as suas palavras em coro. Agora, Sampaio da Nóvoa escolheu um slogan com mais movimento, mas na mesma lógica do grito de guerra norte-americano. “Vamos ou não vamos?”, perguntava ele. “Vamos, sim!”, respondia ele e respondia a plateia. Todos juntos. Foi desta maneira que o agora oficial candidato a Belém fez a festa no Teatro da Trindade, numa sala pequena, mas que encheu em menos de nada.

Quem passasse pelo largo da Trindade ao final da tarde desta quarta-feira e não soubesse o que ali se ia passar, poderia muito bem pensar que estava perante um concerto de uma qualquer estrela rock, ou a estreia de uma muito aguardada peça de teatro. Os cartazes com o rosto de Sampaio da Nóvoa, o ecrã e o pequeno palco com sistema de som montado às portas do teatro, assim o faziam entender. Antes das 19h, altura em que a organização tinha prometido abrir as portas, já a fila se estendia, ordeira, ao longo da rua, à espera de um lugar nos pouco mais de 400 possíveis dentro de portas.

Não foram precisos mais de 12 minutos para encher a sala. Precisamente às 19h12 a organização anunciava ao microfone que já estava “completamente cheia”. Sobrava o ecrã gigante para assistir ao discurso e a promessa de que o candidato a Belém iria ali fora, no final, falar a todos. Mas ainda faltariam alguns minutos para a chegada da “estrela”, que só pisou o palco já passava das 20h. Entretanto, chegavam os convidados de luxo, os que estavam na guest list e tinham lugar cativo na primeira fila independentemente da hora de entrada. Ex-presidentes, ex-ministros, capitães de abril, muitos socialistas, todos se desdobraram em elogios às características presidenciais do ex-reitor da Universidade de Lisboa, que também foi ator e “jogador da bola”.

O ex-Presidente da República Mário Soares foi o primeiro a chegar, muito antes da hora marcada, mas foi parco nas palavras. “Estou aqui para ouvir o que [Sampaio da Nóvoa] tem para dizer”, disse, acrescentando depois que “se não achasse que era a melhor candidatura então não tinha vindo”.

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Também o ex-PR socialista Jorge Sampaio marcou presença no evento, que seria mais especial para si do que talvez para os restantes. “Faz agora 20 anos que também eu anunciei a minha candidatura a Belém, imagine-se”, desabafou aos jornalistas visivelmente bem disposto. Sobre Nóvoa, que partilha consigo o apelido Sampaio, não se poupou nas palavras de incentivo:

“Sampaio da Nóvoa é salutar para a democracia portuguesa, vem da sociedade civil e representa a renovação que é esperada na vida política portuguesa. Tem todas as características de Presidente da República: capacidade de diálogo, de fazer pontes, de unidade e mediação, de incentivar o compromisso e é sobretudo uma pessoa capaz de ter causas. O país precisa de uma pessoa de causas para voltar a ter esperança”, disse.

Nóvoa não tem militância política, mas a comparação com os dois ex-Presidentes socialistas é evidente. O próprio, durante o discurso de anúncio da candidatura, fez questão de se pôr no mesmo patamar de Soares e Sampaio, quando, num aparte dirigido aos históricos socialistas que estavam na primeira fila, lembrou a coincidência das datas: em 1986 [quando Soares avançou] não foi fácil, em 1996 [quando foi Jorge Sampaio a avançar] também não, e agora, em 2016, há um novo desafio.

Sampaio II, ou Soares II?

“Sampaio da Nóvoa I”, arrisca ao Observador o presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço, depois de elogiar as anteriores Presidências de Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio e apontando o ex-reitor de Lisboa como o sucessor nesta linha. Uma linha que não inclui propositadamente o atual Presidente Cavaco Silva – “que já nos desabituou ao respeito pelo bom funcionamento das instituições”, disse.

Para o deputado e dirigente socialista Jorge Lacão, que também quis estar presente para mostrar a sua “admiração pessoal” pelo candidato, é óbvia a colagem aos ex-Presidentes da República do PS. “Os dois são certamente uma inspiração” para Sampaio da Nóvoa, disse ao Observador, depois de classificar o candidato Nóvoa como um candidato “convicto” e “capaz de fazer pontes e entendimentos”, características muito desejáveis, a seu ver, para os tempos que se aproximam.

As expectativas estão altas. A ex-ministra da Cultura de José Sócrates era uma das caras que se avistava na pequena multidão que aguardava, ainda antes das 19h30, a abertura das portas, e estava expectante. “Vamos precisar de um Presidente da República bastante atuante e interventivo, com uma grande visão europeísta e do mundo”, dizia ao Observador. Sampaio da Nóvoa é esse Presidente? “Sim, é um homem do mundo, cosmopolita, com um conhecimento aprofundado das instituições mas também uma visão e um grande sentido cultural e intelectual, e nesse sentido preenche todos os requisitos”. Ainda assim, “sem réplicas“. Sampaio da Nóvoa não será nem um Soares nem um Sampaio 2 – “para tempos políticos diferentes, protagonistas diferentes”.

No capítulo dos ex-governantes socialistas estavam ainda a assistir ao espetáculo “Sampaio da Nóvoa Presidente” Mário Lino, ex-ministro das Obras Públicas de José Sócrates, e João Cravinho, ex-ministro de Guterres, que enalteceu as suas “qualidades”: “pessoa muito experiente, um observador de longa, longa data da vida portuguesa, um homem que pelo seu pensamento, reflexão e vivência, se nota que conhece muito bem o país, que tem ideias para o país e, fundamentalmente, que quer mudar o país”.

Sampaio da Nóvoa pode conhecer bem o país mas o mesmo não se pode dizer ao contrário. A organização do evento esperava casa cheia, e foi o que teve, mas, pelo sim pelo não, a casa escolhida não foi a maior. Não fosse o país faltar à chamada. Em todo o caso, João Cravinho desvaloriza a questão. “No dia das eleições o país vai conhecê-lo bem”, rematou o ex-governante em conversa com os jornalistas.

O encore

Depois da atuação de Nóvoa no palco principal, que foi recheada de referências a autores, escritores e cantores, como Sophia de Mello Breyner, Zeca Afonso ou Sérgio Godinho, numa notória vontade de referir abril e a democracia para capitalizar o descontentamento à esquerda, ainda houve tempo para um encore. Agora no palco secundário, montado na rua da Trindade, onde a pequena multidão que não conseguiu entrar tinha ficado a assistir silenciosamente a cada palavra do discurso.

Assim que se avistou o candidato presidencial, Sampaio da Nóvoa foi recebido com abraços – “Nóvoa! Nóvoa! Nóvoa!” – e pegou no microfone para repetir o número: esperança, mudança, consensos, diálogo e pontes, um Presidente sem partido mas com vontade de mudar o país. Da Trindade, recebeu o bilhete de ida para a corrida de Belém e, apesar do caminho não se adivinhar fácil, o clima de otimismo e ambição imperou.

“Com mais ou menos dificuldade, isto há de lá ir”, disse por fim. E voltou a pedir permissão para iniciar a viagem. “Vamos ou não vamos? Vamos, sim!”. Permissão concedida.