Na euforia da conquista de mais um título pelo Chelsea, este domingo, José Mourinho decidiu usar uma expressão portuguesa, que traduziu literalmente. E com a qual deixou os ingleses muito baralhados.

Those who say we don’t deserve it, in my country we say: “the dogs bark and the caravan goes by”,

exclamou o treinador português, qualquer coisa como “Para aqueles que acham que não mereço isto, no meu país costuma dizer-se ‘os cães ladram e a caravana passa'”.

Não faltaram depois interpretações. Houve quem achasse que Mourinho quis chamar cães aos adversários e até quem analisasse a frase como uma indireta do treinador do Chelsea para os seus inimigos, a quem quereria dar “umas dentadas”. E há ainda quem esteja a tentar perceber mais este “mind game”, tão típico do português, que já antes usara um “no eggs, no omelettes” que ficou para a história.

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Mas, na verdade, não há grandes motivos para a confusão que Mourinho gerou na conferência de imprensa. É que a expressão “The dogs bark but the caravan goes on” existe mesmo no Dicionário de Provérbios Europeus escrito por Emmanuel Strauss. E tem precisamente o mesmo significado que a expressão usada em Portugal.

“Os cães ladram e a caravana passa” é um ditado popular utilizado na língua portuguesa, mas a origem não é nacional, mas sim árabe. Significa que se devem ignorar as provocações que possam impedir o progresso e esquecer críticas que não sejam construtivas.

os caes ladram

Uma imagem da Portuguese Sayings, uma página de Facebook que se dedica a traduzir à letra as expressões e provérbios mais utilizados na língua portuguesa.

Existem outras expressões e ditados populares portuguesas com origens muito peculiares. O Observador destacou sete, e explica-os, acompanhados de imagens da página Portuguese Sayings, que traduz à letra para inglês os ditados e expressões portugueses. Mesmo ao jeito de Mourinho…

Resvés Campo de Ourique 

Tradução à Mourinho: Just near Ourique Camp

A expressão “Resvés campo de Ourique” remonta a 1755, ano em que a cidade de Lisboa foi brutalmente sacudida pelo terramoto que a destruiu… até à zona de Campo de Ourique, a última região afetada pelo tsunami que se seguiu ao abalo.

Esta é a principal teoria, mas existem outras: no oitavo século do milénio passado, Lisboa estava delimitada por uma circunvalação que passa em Campo de Ourique. Era esse o limite da cidade, para lá dela saíamos do domínio lisbonense.

Caiu o Carmo e a Trindade

Tradução à Mourinho: Carmo and Trindade fell

Esta expressão remonta novamente ao terramoto de 1 de novembro de 1755. No dia do desastre natural, todas as igrejas estavam cheias de fieis que celebravam o Dia de Todos os Santos. Muitos edifícios desabaram com a força do sismo, incluindo as igrejas do Carmo e da Trindade que eram das mais importantes na altura.

Tirar o cavalinho da chuva 

Tradução à Mourinho: Take the little horse out of the rain

Esta expressão sofreu, com o tempo, uma mudança radical no seu significado. No século XIX, quando se pretendia fazer uma visita muito breve à casa de alguém, prendia-se o cavalo (utilizado como meio de transporte) ao relento. O animal só era transferido para um lugar protegido da chuva ou do sol quando o dono da casa se apercebesse que a visita estava a ser agradável e se poderia alongar. “Tire o cavalinho da chuva” servia como um convite para jantar.

Hoje, o seu significado é bem diferente e serve para dizer a alguém que o seu desejo ou objetivo não tem qualquer hipótese de se concretizar.

tirar o cavalinho da chuva

Uma imagem da Portuguese Sayings, uma página de Facebook que se dedica a traduzir à letra as expressões e provérbios mais utilizados na língua portuguesa.

Ficar a ver navios

Tradução à Mourinho: To keep seeing ships

A expressão “ficar a ver navios” deve-se aos portugueses que, durante anos, esperavam no Alto de Santa Catarina, com vista para o porto de Lisboa, o regresso do rei D. Sebastião, desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir em 1578. Permaneciam no monte por acreditarem piamente que o rei não tinha sido morto.

Nesse mesmo local, haveria outro hábito semelhante que também vale a expressão. O de as mulheres dos navegadores dos Descobrimentos esperarem o regresso dos seus maridos, irmãos, amados e filhos das terras de além-mar.

O pior cego é o que não quer ver

Tradução à Mourinho: The worst blind is the one who doesn’t want to see

No ano de 1647, o médico francês Vicent de Paul D’Argent fez o primeiro transplante de córnea a um aldeão chamado Angel, que passou a conseguir ver o mundo perfeitamente. No entanto, Angel desiludiu-se e pediu ao médico que lhe retirasse os olhos. O caso foi parar ao Tribunal do Vaticano e o aldeão ganhou a causa, passando a ser conhecido como “o cego que não queria ver”.

o pior cego

Uma imagem da Portuguese Sayings, uma página de Facebook que se dedica a traduzir à letra as expressões e provérbios mais utilizados na língua portuguesa.

Coisas do arco da velha

Tradução à Mourinho: Things of the lady’s arch

Esta expressão tem origem na Bíblia, mais especificamente no Antigo Testamento ou Lei Velha. O arco da velha (lei) refere-se ao arco-íris que marcou a promessa entre Deus e os habitantes da Terra.

O meu arco tenho nas nuvens, e será ele o sinal de uma aliança entre mim e a terra. Quando eu trouxer nuvens sobre a terra e aparecer o arco nas nuvens, então me lembrarei da minha aliança que está entre mim e vós e todo o animal vivente de toda a carne; as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda a carne.

E assim Deus garantiu aos crentes que nenhum outro dilúvio ia ser provocado para limpar a Terra do pecado e ensinar lições aos homens.

arco da velha

Uma imagem da Portuguese Sayings, uma página de Facebook que se dedica a traduzir à letra as expressões e provérbios mais utilizados na língua portuguesa.

Pensar na morte da bezerra

Tradução à Mourinho: To think about the death of the heifer

Mais uma expressão com raízes bíblicas, mas desta vez com origem hebraica. O povo hebraico tinha por hábito sacrificar um bezerro em nome de Deus, para se redimir dos pecados cometidos e purificar a alma através do perdão divino.

Ora, houve um rei hebraico que decidiu sacrificar uma bezerra por quem o filho mais novo nutria um grande carinho. Nenhuma tentativa de dissuadir o pai impediu que o animal fosse morto, mas a criança não conseguiu parar de pensar na morte da bezerra. E pouco tempo depois também ele morreu.

morte da bezerra

Uma imagem da Portuguese Sayings, uma página de Facebook que se dedica a traduzir à letra as expressões e provérbios mais utilizados na língua portuguesa.

Texto editado por Filomena Martins