A presidente do parlamento da Grécia, Zoe Konstantopoulou, considerou em entrevista à agência Lusa que existem instituições e responsáveis europeus que não respeitam o mandato concedido ao novo Governo da Grécia após as eleições de janeiro.

“Fico muito surpreendida quando responsáveis oficiais de outros países comentam as decisões democráticas em outros países. A convocação ou não de um referendo cabe às autoridades da Grécia”, assinalou, ao pronunciar-se sobre as declarações do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, que admitiu, na segunda-feira, a necessidade de o Governo grego convocar um referendo sobre as medidas que deve adotar para promover as reformas exigidas pelos credores e garantir uma última e vital parcela do empréstimo internacional.

“Diria que quando se deteta esta espécie de intervencionismo nas decisões internas de outro Estado, isso não contribuiu para o avanço das negociações e para a confiança mútua entre governos”, referiu a jurista, de 38 anos, eleita presidente do parlamento helénico em 06 de fevereiro de 2015 ao garantir o apoio de maioria dos partidos com assento no hemiciclo, um recorde de 235 votos a favor em 300 deputados (61 brancos e dois nulos).

Segundo a também advogada, especializada em lei criminal nacional, europeia e internacional e em direitos humanos, “existe um consenso generalizado de que o mandato público e social dado pelo povo a este Governo e parlamento não é respeitado como deveria ser”.

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A presidente do parlamento grego participou na segunda-feira, em Lisboa, na II Cimeira de presidentes da Assembleia Parlamentar da União para o Mediterrâneo (UpM) dedicada à Imigração, Asilo e Direitos Humanos na Região Euro-Mediterrânica.

Militante do partido da esquerda radical Syriza, que venceu as legislativas antecipadas de 25 de janeiro e elegeu 149 deputados, Zoe Konstantopoulou enfatizou a nova prática parlamentar imprimida nos últimos três meses no hemiciclo helénico, em contraste com a dos anteriores governos.

“Durante os cinco anos de austeridade e dos memorandos, a democracia foi de facto atacada através de táticas e técnicas que violaram direta e grosseiramente os procedimentos parlamentares e democráticos”, considerou.

A jurista, eleita deputada pela primeira vez em 2012 e conhecida pela veemência com que defende as suas posições, assegurou que o parlamento recuperou os seus poderes, com os deputados a terem de novo possibilidade “de debaterem de facto as leis e de representarem quem os elegeu”.

Uma auditoria independente à dívida grega, a exigência de reparações de guerra à Alemanha devido à ocupação nazi durante a II Guerra Mundial ou uma investigação parlamentar sobre a imposição do plano de resgate à Grécia a partir de 2010 são algumas iniciativas que destacou no âmbito dos trabalhos parlamentares.

“Tomei a decisão de estabelecer um comité de peritos para a auditoria à dívida grega, analisar as razões porque foi criada esta dívida, por quem, como explodiu, e que parte da dívida é legítima e que parte é ilegítima e odiosa”, sublinhou, numa referência à iniciativa anunciada em 7 de abril.

“É óbvio que em grande medida temos uma dívida ilegítima, ilegal, insustentável e odiosa”, numa referência aos preceitos e terminologia do direito internacional. “A forma como será resolvido é também uma questão europeia, porque não é apenas um problema da Grécia. Portugal tem um problema com a dívida, a Itália também, muitos países enfrentam problemas com a dívida e parte destas dívidas não estão assumidas”.

Ao pronunciar-se sobre as negociações com os parceiros europeus, ainda sem solução, Zoe Konstantopoulou considerou que não deve ser o Governo grego a quebrar as designadas “linhas vermelhas”, numa referência à legislação laboral, pensões de reforma, processo de privatizações e IVA, quatro áreas em que Atenas já afirmou que não vai ceder, e que mereceram o mais recente comentário de Schauble.

A responsável referiu que quem estabeleceu estas linhas foi o povo grego, “que forneceu um mandato inequívoco para terminar com as políticas de austeridade e do memorando”.

“É muito claro que se for pedido ao parlamento ou ao Governo grego para ultrapassarem aquilo que foi o mandato que a população nos forneceu, isso será uma violação direta das regras democráticas. É uma questão de democracia e não de economia”, disse.