Uma equipa de jornalistas da BBC foi detida no Qatar após ter sido convidada pelo primeiro-ministro do país para uma reportagem no país. O tema do artigo eram as habitações para migrantes com baixos rendimentos responsáveis pelos novos edifícios construídos para o Mundial de Futebol de 2022.

Os jornalistas foram detidos por capturarem fotografias dos edifícios desses trabalhadores alguns dias antes da visita oficial: “vocês não podem andar por aí a captar imagens, isto não é a Disneyland”, disse um dos polícias, alegando que aquela tinha sido “como uma manobra de entretenimento”, como explica Mark Lobel. De acordo com as autoridades do Qatar, a equipa teria ultrapassado os limites de uma propriedade privada – sem especificar qual.

A detenção

A equipa da BBC estavam numa estrada de Doha, a caminho do local onde iriam descrever as condições de vida dos pedreiros responsáveis pelos novos edifícios em construção para o Mundial de Futebol no Qatar, em 2022. Durante o percurso, o carro onde seguiam foi cercado por oito viaturas brancas que encaminharam os jornalistas para uma outra estrada.

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Chegaram então à esquadra policial, onde foram separados. O operador de câmera, o tradutor e o condutor e o jornalista foram interrogados em separado. Queriam saber o que tinha a equipa andado a fazer, embora já o soubessem: durante as perguntas, a polícia mostrou-lhes uma pasta com fotografias de tudo o que eles tinham feito nos últimos dois dias.

A equipa foi proibida de fazer telefonemas, supostamente porque aquela era uma questão de segurança nacional. Ao fim de 13 horas de interrogatório foram presos. Passaram fome no primeiro dia e foram ameaçados de permanecerem mais tempo na prisão para aprenderem a lição. Dormiram em colchões sujos, mas foi-lhes dada comida a partir da segunda noite.

Na manhã seguinte foram libertados. Foram proibidos de sair do Qatar e impedidos de utilizar o material de reportagem que lhes havia sido retirado. E ainda assim, foi-lhes permitido que entrassem na de novo na visita oficial para a qual tinham viajado.

Qatar: um país aberto, mas que depois se fecha

A detenção dos jornalistas da BBC não foi a primeira no país, principalmente desde que o Qatar se afirmou como organizador do Campeonato do Mundo em 2022. E a forma como os órgãos de comunicação social vão ser abordados no âmbito deste evento desportivo começa a preocupar as entidades futebolísticas ligadas ao acontecimento.

Porquê? A Amnistia Internacional explica que esta é uma tentativa de “intimidar aqueles que querem expor os abusos laborais no Qatar”, o país mais rico do mundo em relação à população que alberga.

O panorama da visita oficial

Piscinas e ginásios. Estas eram as vistas a que os jornalistas tiveram acesso durante o percurso oficial organizado pelo governo do Qatar e pelo comité de organização que trabalha com a Fédération Internationale de Football Association (FIFA). A FIFA está a investigar o caso dos jornalistas da BBC. Segundo o The Guardian, o conservador Damian Collins disse que “não é aceitável que se ignore. É tempo de levantarmos a voz”. As afirmações foram feitas numa reunião com grupos de trabalhadores que pretendiam pressionar a FIFA a obrigar as empresas de publicidade a enfrentar as questões de abusos dos direitos humanos no Qatar.

No mesmo encontro, Sharan Burrow, secretária geral da Confederação do Sindicato Internacional, interrogou: “poderemos resolver tudo em sete anos? Quem sabe? Mas podemos virar a situação ao contrário e mudar as vidas e oportunidades dos trabalhadores do Qatar? Claro que sim”.

Quando questionado sobre o tipo de tratamento que era dado àqueles que sublinhavam as condições de trabalho precárias, o ministro do trabalho do país afirmou que o Qatar “é um país livre para sempre, desde sempre”, mas que essas denúncias acabam por desvalorizar “o progresso que tem sido feito para melhorar as condições básicas dos trabalhadores migrantes”. É que agora “toda a gente tem um smartphone, toda a gente é jornalista”.

Um dos polícias contou à equipa da BBC que existem polícias espiões por todo o lado. E as empresas de maiores dimensões não recebem incentivos para melhorar as condições de trabalho. Aliás, muitas das pessoas que viajam para o Qatar em busca de trabalho vão com perspetivas de salário que acabam em menos de metade do que o prometido e sem documentos que comprovem a fraude. “Com a aproximação do Campeonato do Mundo no Qatar, o enfoque nas condições laborais dos imigrantes só pode aumentar”, escreve Mark Lobel.