Da série “Jogos da Fome” até à série “Divergente”, passando por “Mad Max: A Estrada da Fúria”, o cinema de ficção científica está próspero em distopias, sejam elas “high tech” ou pós-apocalípticas. Até mesmo o Festival de Cannes teve este ano a concurso um filme distópico de “autor”, “The Lobster”, do arrevezado grego Yorgos Lanthimos (aliás, premiado). É contra esta moda das visões pessimistas, derrotistas, bárbaras ou  totalitárias do futuro no cinema que se levanta, no gesto e no discurso, “Tomorrowland: Terra do Amanhã”, de Brad Bird, o brilhante autor de animações como “O Gigante de Ferro”, “The Incredibles-Os Super-Heróis” ou “Ratatui”, propondo-nos uma utopia futurista tecnológica, perfeita e feliz nesta produção da Walt Disney.

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O argumento do filme é suficientemente contorcionista para não nos arriscarmos a descrevê-lo em detalhe, o que equivaleria também a deixarmos alguns imperdoáveis “spoilers” pelo caminho. Em 1964, chega à Feira Mundial de Nova Iorque um menino chamado Frank (Thomas Robinson), com vocação de inventor, que vem inscrever a sua mochila a jacto num concurso de invenções. A geringonça é recusada por um severo juiz, o Sr. Nix (Hugh Laurie”), com o argumento de que “não serve para nada”. Frank bem lhe diz que a sua mochila a jacto “é divertida”, mas nem isso o demove.

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“Trailer” de “Tomorrowland”

No entanto, uma menina, Athena (Raffey Cassidy), aparentemente filha do Sr. Nix, simpatiza com Frank e dá-lhe, à socapa, um emblema com um “T” maiúsculo, que o conduz, à Tomorrowland do título, situada não se percebe bem onde, talvez seja uma dimensão paralela ou talvez seja o futuro (o filme tem dificuldade em conseguir explicar certas coisas fundamentais da história ao espectador e fazê-lo acreditar nelas), uma deslumbrante cidade do amanhã saída daquelas ilustrações de ficção científica que, nos anos 50 e 60, nas revistas e nas capas dos livros do género, antecipavam, em pormenor e com confiança e optimismo, como seria o mundo que estava para vir – ou seja, o nosso presente.

O filme avança então até aos nossos dias e eis-nos com Casey Newton (Britt Robertson, fixem este nome que ela vai longe), uma adolescente filha de um engenheiro da NASA desempregado. Casey é uma miúda brilhante, inventiva e de um optimismo inabalável, que usa mini-drones para impedir a demolição de rampas de lançamento da NASA desactivadas e odeia o discurso negro, distópico, pré-apocalíptico, que lhe é diariamente impingido pelos media, pela cultura de massas e pelos professores.

Nos bastidores da rodagem

Um dia, Casey encontra um estranho emblema com um “T” maiúsculo que, com um simples toque, lhe dá uma visão de Tomorrowland. E encontra também Athena, que estranhamente, não envelheceu um dia, e a leva a conhecer Frank (George Clooney) que, esse sim, envelheceu o que se esperaria, depois de ter sido expulso da cidade futurista. A partir daqui, o enredo complica-se muitíssimo. Para abreviar, digamos que envolve andróides assassinos com sorrisos Pepsodent, máquinas de taquiões, um foguete à Júlio Verne escondido sob a Torre Eiffel e uma viagem ao futuro (ou talvez seja uma dimensão paralela), onde Frank, Casey e Athena vão tentar evitar o fim do mundo.

Entrevista com o realizador Brad Bird

Entrevista com George Clooney

“Tomorrowland” é aquilo a que os críticos anglo-saxónicos gostam de chamar “a mixed package”. O filme junta o melhor da criatividade visual e visionária de Brad Bird, e da capacidade técnica da indústria cinematográfica americana para nos deslumbrar com a concretização de mundos fantásticos e engenhos mirabolantes, com o pior do simplismo hollywoodesco, do pronto-a-emocionar, da situação feita e da “mensagem” postiça com sermão atrelado, ainda para mais prejudicado por uma narrativa crivada de buracos lógicos e minada pela inverosimilhança. Talvez “Tomorrowland” tivesse resultado melhor, e sobretudo mais plausível e menos “phony”, se tivesse sido feito em animação, o “habitat” de eleição do realizador, e não em imagem real.

Entrevista com Britt Robertson

A tentativa de Brad Bird de tentar agradar ao mesmo tempo, aos fãs de ficção científica mais séria e elaborada, e ao público-alvo deste tipo de grandes produções (e esta é da Disney, ainda por cima), ou seja, os adolescentes dos 10 aos 16 anos, é nobre, mas falhada. “Tomorrowland”  não é um gigante com pés de barro, é um bisarma “high tech” com cabeça de “teenager”.  E uma utopia tão simpaticamente optimista como inevitavelmente simplória.