A ideia de Catarina Ferreira sempre foi amamentar, mesmo antes de a pequena Beatriz nascer. A programadora cultural de 35 anos informou-se incansavelmente sobre o tema e aproveitou as aulas de preparação para o parto para clarificar as dúvidas. Chegada a hora, nem tudo correu pelo melhor: a filha teve pressa de vir ao mundo e, às 35 semanas, obrigou a mãe a submeter-se a uma cesariana de urgência. As difíceis circunstâncias do parto ditaram o percurso da amamentação: “Quando ela acabava de mamar eu gritava de dor e ela gritava de fome. Ainda tentei durante um mês, mas acabou por se tornar numa coisa angustiante para mim.”

Muito diferente é a história de Sandra Oliveira. Aos 36 anos foi mãe do Tiago, que amamentou durante cinco anos por encarar que essa era a continuação de um vínculo que só terminaria quando ambos o quisessem. Dito e feito. Com uma mão cheia de anos, o menino começou a sentir vergonha alheia e a mãe decidiu dar por terminado o período da amamentação: “Ele foi deixando de mamar, ia dizendo que já era crescido e que já não queria. Acho que foi pressão social indireta”, explica Sandra Oliveira ao Observador.

Amamentação, vale a pena discutir o assunto?

Os dois casos descritos fazem levantar uma questão que, entre mães, é muito discutida: afinal, até quando é que se deve amamentar? “Costumo dizer que a amamentação é uma relação que se estabelece entre a mãe e o bebé, pelo que é a dinâmica entre ambos que vai ditar o tempo. E quando falamos de relacionamentos nunca podemos ser muito objetivos”, começa por dizer Cristina Pincho, consultora de lactação. “É mais importante a mulher preparar-se para a amamentação do que para o parto”, defende, acrescentando que o parto é um ato balizado no tempo e que o mesmo não se pode dizer de uma ligação emocional e física entre mãe e filho.

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“Amamentar é a norma biológica, o potencial máximo que conseguimos ter em termos de saúde, a curto, médio e longo prazo. O leite materno foi desenhado para isso”, argumenta Pincho. Apesar de preferir não falar em metas estanques, a também conselheira de aleitamento materno OMS/Unicef coloca em cima da mesa o que é preconizado pela Organização Mundial de Saúde — aleitamento materno em exclusivo nos primeiros seis meses de vida e até aos dois anos ou mais, mas contemplando a introdução de alimentos sólidos.

Sobre isso, o pediatra Mário Cordeiro explica que as indicações da OMS têm em conta o mundo inteiro: “Os contextos sociais e civilizacionais são totalmente diferentes em Portugal ou na Somália. Não apenas as condições de água potável, higiene, disponibilidade de produtos, conhecimentos, saberes, controlo, apoio, como nos desígnios de vida das mulheres. Em Portugal, nomeadamente, as mulheres já não têm como único objetivo serem mães.”

“Se o aleitamento materno é melhor quer para o bebé quer para a mãe, se é mais prático, económico, vantajoso, universal, fisiológico, natural… então porquê gastar tanto tempo a falar do assunto?”, questiona o pediatra que se apressa, depois, a catalogar o tema como algo bastante complexo:

“O que é verdade é que, contra todas as evidências e argumentos científicos, as taxas de aleitamento materno ainda ficam aquém do que seria desejável. Também não é por acaso que, apesar de praticamente todas as mulheres saberem (e afirmarem) que o leite materno é o melhor para os seus filhos, expressando o desejo de amamentar (…), o aleitamento materno sofre um rápido declínio ao fim de alguns dias ou semanas, atingindo valores francamente baixos no final do terceiro mês – altura em que as mães ainda nem retomaram o trabalho.”

Dito isto, Mário Cordeiro insiste que nenhuma mãe se pode sentir obrigada a dar de mamar e que tal é “um ato de total liberdade”, que deve durar enquanto a mãe e o bebé quiserem e puderem. A opção, diz, é da mãe, desde que informada e consciente.

No entanto, admite a probabilidade de que a partir do primeiro ano de idade — numa altura em que o bebé está apto a comer de tudo, já anda e tem uma vida social (aos seis meses deve começar a diversificar a alimentação) –, a continuação da amamentação possa ser, na maioria dos casos, prejudicial. “O perigo é a ‘claustrofobia’ e o impedimento ao crescimento e ao processo de autonomia do bebé, por mães que, compreensivelmente, têm grande dificuldade em ‘largar’ a criança e pensam que deixar de dar de mamar as faz perder um bebé.”

Onde está o apoio?

A pequena Beatriz, hoje com cinco meses e meio, nasceu com dois quilos e a mãe, Catarina Ferreira, sentiu desde logo dificuldades em dar de mamar. A decisão de, ao fim de um mês, deixar de o fazer não foi tomada de consciência leve. Considerando a instituição onde deu à luz, e apesar de compreender que a falta de pessoal é grande, admite que se tivesse tido um maior acompanhamento as coisas poderiam ser diferentes. “Da minha parte não senti um apoio assim tão grande. Precisava que me tivessem acompanhado mais na maternidade. Senti-me abandonada.”

Perante isso, Cristina Pincho esclarece que a amamentação jamais pode ser um castigo; ao invés, deve ser um momento que dê prazer à mãe. Mas, para tal, é preciso apoio:

“Defendo que haja uma promoção da saúde que favoreça a amamentação e que seja dado o apoio prático, profissional e especializado para que as pessoas consigam ser ajudadas a ultrapassar os problemas. Há falta de apoio profissional.”

Pincho é uma das 14 consultoras de lactação em Portugal. Noutros países, conta, existem consultores integrados em equipas multidisciplinares, em que o papel deles é precisamente o apoio à amamentação. “A amamentação é sempre vista como algo menor, mas tem um impacto enorme.”

Quais as vantagens da amamentação?

Sandra Oliveira não é só mãe do Tiago. A filha mais velha, Rita, tem 14 anos e teve uma educação bastante diferente da do irmão. Enquanto Tiago foi amamentado até aos cinco anos de idade, Rita apenas recebeu leite materno até aos oito meses — o desmame, diz a mãe, foi fruto de má informação e o resultado, tenta explicar, é visível entre os dois filhos. “Não é fácil para uma mãe perceber que aquilo que fez a um filho não foi tão bom como fez a outro. Os primeiros filhos são a escola dos segundos”, diz.

Ela que também é conselheira de amamentação e doula — pessoas com experiência de maternidade e que acompanham futuras mães no período de gravidez, parto e pós-parto — fala em estudos capazes de comparar a confiança e a inteligência de crianças tendo em conta o tempo de amamentação, sendo que as que beneficiaram de leite materno durante um período mais vasto terão um sucesso superior nestas áreas. “É difícil ter em conta uma amostragem de duas crianças, mas os estudos dizem-no e eu posso comprová-lo em casa”, esclarece, não sem antes considerar fatores de personalidade e diferenças de género entre os dois filhos.

Mas quais são, então, os benefícios em causa? Amamentar tem vantagens para o bebé, para a mãe e para a família, esclarece desde logo Conceição Calhau (professora do departamento de bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e investigadora do CINTESIS):

  • Para o bebé: a amamentação assegura uma vinculação mais forte entre o bebé e a mãe, além de uma maior vantagem imunológica tendo em conta a composição do microbiota intestinal, o que pressupõe uma maior qualidade das bactérias (mais protetoras e saudáveis), e tem um impacto metabólico (ao nível da prevenção da obesidade) e na saúde mental da criança.
  • Para a mãe: o ato ajuda na recuperação pós-parto, uma vez que a gordura que é acumulada no último trimestre da gravidez, na região das coxas, vai ser recrutada para a produção de leite. Potencia ainda a contração do útero e, considerando a diabetes gestacional — isto é, que ocorre durante a gravidez –, existe um maior controlo glicémico durante a amamentação.
  • Para a família: É uma questão económica, tendo em conta os eventuais gastos em leites de fórmula e em biberões… E, afirma Conceição Calhau, se o bebé também for mais saudável, vai precisar de ir menos vezes ao médico.

Mário Cordeiro confirma os componentes benéficos do leite materno, composto por anticorpos e enzimas que não existem no leite comercial e que, por sua vez, ajudam a melhorar a imunidade do bebé. E, para as mães, “há a questão dos picos de ocitocina, com o seu efeito tranquilizador, analgésico e de contração uterina, o que contribui para uma melhor gestão das transformações do corpo pós-gravidez”. No entanto, não se revê nas doutrinas que atribuem vantagens à relação de afeto entre a mãe e o bebé: “Creio que se pode estabelecer essa mesmíssima relação através de um biberão, desde que dado com amor.”

Já para a consultora de lactação, “vantagens” é uma palavra mal aplicada tendo em conta as circunstâncias. Mas Cristina Pincho não hesita em explicar que o leite tem as características necessárias (como quem diz nutrientes) para o desenvolvimento harmonioso do bebé — vai fortalecer o seu sistema imunitário, não implica gastos de energia e não sobrecarrega os rins.